27/01/2015 03h27 - Atualizado em 27/01/2015 03h38

Familiares contam até 242 e jogam balões para lembrar vítimas da Kiss

Tragédia em Santa Maria completa dois anos nesta terça-feira (27).
Madrugada foi de vigília, emoção e luto em frente à antiga casa noturna.

Estêvão PiresDo G1 RS, em Santa Maria

Boate Kiss Santa Maria dois anos da tragédia (Foto: Estêvão Pires/G1)Familiares fazem contagem do número de mortos em frente à boate (Foto: Estêvão Pires/G1)

Com vigília, 242 balões jogados para o céu e uma contagem até 242, Santa Maria relembrou durante a madrugada desta terça-feira (27) os dois anos do incêndio na boate Kiss. O número, praticamente onipresente na cidade da Região Central do Rio Grande do Sul, representa o total de mortos no incêndio da casa noturna na madrugada de 27 de janeiro de 2013.

Familiares, amigos de vítimas e sobreviventes participaram das homenagens, que prosseguem nesta terça, misturadas a protestos.  Às 2h30, horário exato do início do incêndio na danceteria, os familiares começaram a contar os 242 mortos na tragédia, um por um.

“A ideia era ler o nome de todos os que morreram, mas isso seria muito dolorido”, explicou Flávio Silva, um dos líderes do Movimento do Luto à Luta, que organizou a mobilização.

 

Logo após o fim da contagem, muitos participantes choraram. Em seguida, um familiar discursou ao microfone: “Gritamos até 242 para sabermos a extensão da nossa dor. Só uma coisa vai diminuir nossa dor: é justiça”, gritou.

Na sequência, uma sirene foi acionada para lembrar a tragédia e mais 242 balões brancos iluminados foram jogados para o ar, encerrando as homenages da madrugada.

Vestidos de branco, os participantes começaram a se reunir por volta das 19h na tenda montada na Praça Saldanha Marinho, no centro de Santa Maria. Prédios, residências e ônibus também adotaram a cor em fitas e cartazes, atendendo a um pedido da associação de familiares das vítimas.

Na praça, que fica a uma quadra de onde funcionava a Kiss, o grupo assistiu a um vídeo com depoimentos e fotos sobre a luta dos familiares por punição aos responsáveis pela tragédia nos últimos dois anos. “Não quero que outras mães passem pelo que a gente passou, por isso estamos aqui. Um dos 242 foi meu filho Daniel, que pagou para morrer pensando que estava em um lugar seguro”, desabafou Yara Regina Knabben, 57 anos, cujo filho tinha 35 anos.

Por volta das 22h30, os participantes acenderam velas e saíram em uma caminhada silenciosa até a frente do prédio. A fachada da danceteria foi grafitada por estudantes de artes visuais. Além de desenhos, o painel traz uma pergunta: “Até quando a indiferença vai servir à injustiça?”

Boate Kiss Santa Maria dois anos da tragédia (Foto: Estêvão Pires/G1)Neusa espera que balão alcance o filho que
partiu na tragédia (Foto: Estêvão Pires/G1)

No asfalto, um coração pintado no chão foi iluminado por cerca de 1,2 mil velas, que também formaram a palavra “justiça”. Fotos das vítimas do incêndio foram depositadas no interior do coração e uma imagem de Nossa Senhora recuperada durante limpeza da boate, em dezembro, deixada em gruta na porta da boate.

No local, um coral cantou músicas religiosas ao som do violão. Depois, familiares soltaram para o ar pela primeira vez os balões com led, iluminando a madrugada de Santa Maria. “Aonde quer que esteja ele recebeu esse balão”, afirmou a dona de casa Neusa Nunes, 50, com esperança de que a homenagem alcance o filho que se foi. 

As homenages e protestos prosseguem nesta terça-feira (27). Pela manhã, um grupo de familiares fará um protesto em frente ao Ministério Público (MP) de Santa Maria para cobrar a responsabilização de servidores da prefeitura.

À tarde, a Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) promove outras homenagens às vítimas e um ato ecumênico no ginásio do Colégio Franciscano Sant’Anna, o Franciscão.

Yasmim Muller - incêndio boate Kiss - dois anos (Foto: Estêvão Pires/G1)Balões brancos iluminados foram jogador para o ar durante homenagem (Foto: Estêvão Pires/G1)

Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos. O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.

O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, foram: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.

Ainda estão em andamento os processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros também estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.

Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso, na modalidade de "dolo eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória a eles em maio de 2013.

Atualmente, o processo criminal ainda está em fase de instrução. Após ouvir mais de 100 pessoas arroladas como vítimas, a Justiça está em fase de recolher depoimentos das testemunhas. As testemunhas de acusação já foram ouvidas e agora são ouvidas as testemunhas de defesa. Os réus serão os últimos a falar. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.

No dia 5 de dezembro de 2014, o Ministério Público (MP) denunciou 43 pessoas por crimes como falsidade ideológica, fraude processual e falso testemunho. Essas  denúncias tiveram como base o inquérito policial que investigou a falsificação de assinaturas e outros documentos para permitir a abertura da boate junto à prefeitura.

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