30/06/2015 16h02 - Atualizado em 30/06/2015 16h02

História de imigrantes é tema de série especial da TV Rio Sul - parte 2

Reportagens fazem parte do projeto 'Histórias para Contar de Novo'.
Especiais serão exibidos até dezembro, na última semana de cada mês.

Do G1 Sul do Rio e Costa Verde

Finlândia, início do século XX. O agricultor Toivo Uuskallio afirma ter recebido um chamado divino: deixar a Europa em busca de uma vida simples, saudável e radicalmente natural. Mas ele não iria sozinho. Com a ajuda de amigos, a ideia é espalhada de norte a sul do país. Homem viajado, Uuskallio decide que o Brasil era o destino ideal. Faltava encontrar o lugar exato.

"Ficou dois anos aí andando no Brasil tudo, Rio, São Paulo, Minas, olhou muito mas não agradava", contou Eeva Rouhe Hoenthall.

Até que uma área no interior do Rio de Janeiro chamou a atenção. 3.500 hectares, dois mil deles de floresta. Água em abundância. À venda, a fazenda penedo era a terra prometida. Mas para viver nesse paraíso, não bastava apenas querer. Houve um processo de seleção rigoroso na Finlândia. Os candidatos responderam questionários com perguntas sobre hábitos e comportamentos. Além disso, os idealizadores da imigração davam preferência para os vegetarianos, e para aqueles que não fumavam nem bebiam.

Em 1929, vinte e oito famílias finlandesas chegaram a Penedo. Cada uma contribuiu financeiramente para a compra da fazenda. Todos ficaram em um casarão, o único imóvel que existia. Cem camas de ferro foram trazidas do Rio de Janeiro.

"O colchão era as mulheres [que] tinham que trazem os panos de colchão já costurados da Finlândia pra chegar aqui e encher de capim ... Travesseiro também, no começo era tudo com capim", disse Eeva.

Mas a vida rústica não agradou. A maioria voltou para a Finlândia nos primeiros meses. "Eles vieram pensando que as frutas nas árvores já estariam lá pra eles, deitando embaixo pra eles pegarem .. Aqui não tinha nada, era tudo campo de vaca".

Quem ficou, precisava trabalhar. "Houve uma divisão de tarefas, umas pessoas iam cuidar da plantação, outras de agricultura, uma parte cuidava da cozinha, uma parte ia cuidar de lavar roupa", contou Laura Ampula, comerciante.

Foto registra um dos primeiros finlandeses a chegarem a Penedo (Foto: Reprodução/TV Rio Sul)Foto registra um dos primeiros finlandeses a
chegarem a Penedo (Foto: Reprodução/TV Rio Sul)

O serviço doméstico não era problema. Mas de agricultura, esses finlandeses de classe média entendiam muito pouco. "A parte de agricultura mesmo que o Toivo tinha ideia de fazer não deu muito certo. Mas aí eles começaram com plantações de laranja, faziam enchertos de laranja. Essas mudas eram levadas para a baixada fluminense e eram exportadas. Então foi uma coisa que realmente deu certo um período, com isso cada família começou a ganhar seu dinheiro e pôde assim sair do casarão, comprar um terreninho e fazer sua própria casa", explicou Laura.

Uma das primeiras levou quase 20 anos para ficar pronta. Dezoito cômodos e milhares de pedras tiradas uma a uma do riacho. "Todo mundo que ia tomar sauna na casa dele, era obrigado, ao mergulhar no rio, tinha que sair com uma pedra do rio, pra ajudar ele a acumular material de construção", contou Otávio de Miranda Santos, presidente do Clube Finlândia.

"Ele tinha carrinho de mão, e cada vez que ele vendia os produtos que ele costurava de bucha, ele comprava um saco de cimento e em seguida colocava na parede", disse Eeva.

Uma das histórias que envolvem a casa de pedra conta que Toivo Aseekainnen a construiu para a noiva. Mas quando ela chegou da Finlândia, voltou na mesma hora por achar a obra muito estranha. Hoje, o imóvel é utilizado para encontros religiosos.

Construída em 1930, a casa da Laura é mais tradicional. Mas também guarda uma história inusitada. "A minha mãe repetiu de ano no colégio. Então pros meus avós aquilo foi uma vergonha muito grande, não bastava mudar de colégio, tinha que mudar era logo de país", disse.

Tapeçaria é parte da cultura finlandesa (Foto: Reprodução/TV Rio Sul)Tapeçaria é parte da cultura finlandesa
(Foto: Reprodução/TV Rio Sul)

No Brasil, a vergonha virou orgulho. Eila Ampula não concluiu os estudos, mas se tornou uma das artesãs mais conhecidas do país. "Minha mãe era massagista no Rio, e aí a esposa do Getúlio Vargas então viu os trabalhos da minha mãe, mostrou os trabalhos pro Portinari, e o Portinari disse que ela não devia fazer outra coisa na vida a não ser pintar", contou Laura.

No tear, as pinturas se tornaram preciosas tapeçarias. As peças foram vendidas para o mundo inteiro. No Palácio do Planalto, em Brasília, o maior orgulho: os dragões da independência. Até a sede da TV Rio Sul virou obra de arte. Muitos tapetes estão no Clube Finlandês de Penedo, onde até hoje permanece viva uma animada tradição. Os finlandeses dançam desde que chegaram aqui. Mas o baile com trajes típicos começou pouco depois, na década de 40.

"O primeiro baile foi em 1942, um baile de Carnaval. Eles ainda não tinham sede, fizeram em um galinheiro que tinham acabado de construir, e ainda não tinham as galinhas. No começo, eram só os finlandeses mesmo, não tinham outras pessoas. Na década de cinquenta já tinham algumas pousadas, e o baile era a atração de Penedo. Era pra onde todos os donos de pousadas levavam os hóspedes no sábado à noite", disse Helena Hilden, curadora do Museu Finlandês.

Dança é um dos símbolos da cultura finlandesa (Foto: Reprodução/TV Rio Sul)Dança é um dos símbolos da cultura finlandesa
(Foto: Reprodução/TV Rio Sul)

Atualmente, são dois encontros por mês. "É na Finlândia onde se dança mais tango fora da Argentina. É na Finlândia que temos cinco escolas de samba, porque eles adoram dançar. No nosso baile dança-se forró, dança-se polka, ienka, mazurka, e tudo o mais.. Aqui é o lugar de se dançar e se divertir", explicou Otávio.

O legado dos imigrantes também está na arquitetura, na gastronomia e nos momentos de descanso de muitos brasileiros. Afinal, se você tem uma sauna em casa, agradeça aos finlandeses. Foram eles que inventaram. A Cláudia fez questão de construir uma fiel às origens.

"Essa é uma típica sauna finlandesa. Tanto pela sauna em si, que veio da Finlândia, e pelo tipo de construção também", contou Cláudia Souza, arquiteta. 

À base de lenha e pedras. A madeira não tem pregos. Os troncos são encaixados. Lazer e história no mesmo lugar. A sauna também está no Museu Finlandês, entre mais de mil itens. A maior parte, colaboração da imigrante Eva Hilden, que dá nome à galeria.

Naturalmente finlandês, hábito de tomar sauna foi incorporado à cultura brasileira (Foto: Reprodução/TV Rio Sul)Naturalmente finlandês, hábito de tomar sauna foi
incorporado à cultura brasileira (Foto: Reprodução/
TV Rio Sul)

"Ela começou a colecionar coisas da família dela e de famílias de amigas dela na própria casa, a ponto de a quantidade aumentar tanto que ela teve que fazer uma casinha pra ser o museu", explicou Otávio.

Fotos, esculturas, tapeçarias, roupas típicas, joias. Há quem diga que nem na Finlândia existe um acervo tão grande.

Investindo no turismo, Penedo se remodelou. A natureza tem agora a companhia de modernos hotéis e pousadas. Não é nem de longe a utopia naturalista sonhada por Toivo Uuskallio. Mas é o lar de quem decidiu ficar.

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