LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
A falta de medicamentos e insumos hospitalares no Pronto-Socorro de Várzea Grande (PSVG) voltou a ser alvo de denúncia ao Ministério Público Estadual (MPE), no último dia 21, após a situação resultar em risco de amputação para um morador que precisou dos serviços da unidade.
O motociclista José Marcos Francisco, de 36 anos, se envolveu em um acidente de trânsito, na manhã do dia 4 de outubro, e teve o pé direito lacerado (rasgado).
O acidente ocorreu em uma rotatória, na Avenida Ulisses Pompeu de Campos, na região do KM Zero, e José Marcos foi levado pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) ao Pronto-Socorro da cidade.
No local, após constatar a laceração, ele foi informado de que teria que se submeter a uma microcirurgia para reconstrução do pé, sem receber, no entanto, qualquer tipo de anestesia.
"O médico disse que se ele estivesse sentindo muito dor e aguentasse, a cirurgia podia ser feita. Foram dadas medicações de baixo nível sedativo, como Dipirona e Tramal. Você ouvia os gritos dele do corredor"
A denúncia foi feita pelo técnico de enfermagem Rodrigo Machado, 27, que também registrou, na Central de Flagrantes de Várzea Grande, boletins de ocorrência para preservação de direito contra o Pronto-Socorro de VG e o Centro de Especialidades Médicas (Postão), em nome da vítima.
Rodrigo é vizinho da vítima e conta que acompanhou o amigo durante todo o resgate, sendo informado da necessidade de realização de sutura e cirurgia, sem que houvesse todo o sedativo necessário.
“O médico disse que, se ele estivesse sentindo muito dor e aguentasse, a cirurgia podia ser feita. Foram dadas medicações de baixo nível sedativo, como Dipirona e Tramal. Você ouvia os gritos dele do corredor”, relatou.
Segundo o técnico de enfermagem, muitas outras pessoas aguardavam na fila para passar por cirurgia, mas aguardavam o fornecimento de anestesia no local. Ele conta que seu vizinho entrou na sala de cirurgia às 10h, saindo às 14h.
“Foram quatro horas nessa situação, ouvindo os gritos, porque tinha muito caco de vidro e impurezas na perna dele”, disse.
Rodrigo conta que, na sequência, José Marcos foi liberado do hospital, por falta de leitos.
“Por volta das 18h, ele foi liberado, sendo que devia ficar no hospital em observação, porque ele precisava tomar antibióticos, por se tratar de um procedimento delicado. Mas o médico disse que o risco de infecção também era muito alto no hospital, devido a superlotação e por não haver nenhum local adequado para que as pessoas que acabaram de passar por cirurgia pudessem ficar”, afirmou.
""[...] o pé dele começou a apodrecer, por não ter recebido a atenção necessária no período pós-cirúrgico"
“Via Sacra”Na segunda-feira (6), já em casa, José Marcos se dirigiu ao Postão de Várzea Grande, no Centro da cidade, acompanhado de Rodrigo, para passar pela primeira troca de curativo, bem como por uma avaliação médica para saber se procedimento cirúrgico foi concluído com êxito.
“Chegando lá, não havia médicos e os profissionais da área de saúde me informaram que não tinha material para fazer curativo. Ou seja, ele continuou com o curativo de sábado. Saímos de lá revoltados”, contou Rodrigo.
O técnico de enfermagem, então, levou o vizinho até à Policlínica do Verdão, em Cuiabá, onde foram atendidos e, em seguida, orientados a procurarem o Posto de Saúde do bairro Cidade Alta, também na Capital, onde os materiais e procedimentos necessários poderiam ser encontrados.
“Nesse posto, ele foi atendido e o médico que o atendeu questionou a razão de ele ter sido liberado, afirmando que isso não deveria ter ocorrido”, disse.
Na tarde de quarta-feira (22), Rodrigo decidiu levar o vizinho até a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) da Morada do Ouro, em Cuiabá, porque desconfiou do inchaço que o pé do vizinho começou a apresentar, bem como a aparência de estar necrosado, mesmo recebendo os cuidados necessários em casa.
“Lá, o médico constatou que o pé dele começou a apodrecer, por não ter recebido a atenção necessária no período pós-cirúrgico. Ele foi encaminhado para o Pronto-Socorro de Cuiabá, para passar por uma cirurgia de debridamento [remoção do tecido morto] e uma nova cirurgia de reconstrução do pé”, afirmou.
"Ele corre o risco de ter o pé amputado, porque a infecção instaurou e pode cair na estrutura óssea"
DenúnciaDe acordo com Rodrigo, até a manhã de quinta-feira (23), José Marcos não havia passado por uma cirurgia. Nesse meio tempo, ele decidiu registrar os boletins de ocorrência e procurar o MPE, para denunciar o que chama de negligência do poder público.
“Ele corre o risco de ter o pé amputado, porque a infecção instaurou e pode cair na estrutura óssea. Se isso ocorrer, pode dar uma infecção geral e ele terá que amputar. Nem culpo os médicos, porque eles têm boa vontade no PSVG, mas não têm estrutura e material para trabalhar. O caos tá instalado naquele lugar”, disse.
“Em Cuiabá, o Pronto-Socorro Municipal está lotado. Mas, em Várzea Grande, a situação está pior, porque há pessoas deitadas no chão, não tem os insumos”, completou.
"Isso é um descalabro. Nem presídio vive uma condição subumana como nós vimos aqui"
Risco de interdiçãoNesta semana, o Pronto-Socorro de Várzea Grande foi alvo de uma vistoria de representantes da Justiça, após uma mãe denunciar a falta de medicamentos para seus dois filhos, que foram diagnosticados com meningite e liberados do hospital.
Na reportagem, feita pela
TV Centro América (Rede Globo/Canal 4),na última quarta-feira (22), o juiz da 3ª Vara de Fazenda Pública, Alexandre Elias Filho, afirmou que a situação encontrada será analisada para decidir se irá interditar ou não o hospital.
“Isso é um descalabro. Nem presídio vive uma condição subumana como nós vimos aqui”, relatou.
Assista
AQUI à reportagem da TVCA.
Outro ladoA reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Prefeitura de Várzea Grande, mas nenhuma resposta sobre o caso foi dada até a edição dessa reportagem.
Confira abaixo as cópias dos boletins de ocorrência e da denúncia feita por Rodrigo:
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