No dia seguinte ao título, orgulho mangueirense estampado no peito em verde e rosa

Moradores usaram roupas em homenagem à campeã do carnaval

por Simone Candida

Dia seguinte de vitoria da Mangueira no Carnaval 2016. Na foto, Marcia da Silva, filha da Dona Neuma - Pablo Jacob / Agência O Globo

O orgulho de ser mangueirense, tão reverenciado no mundo do samba, na quinta-feira podia ser visto em cada esquina da comunidade. No dia seguinte à conquista do campeonato, moradores do Morro da Mangueira fizeram questão de vestir camisas verde e rosa e sair pelas ruas ou comparecer à quadra da escola.

Quem participou do desfile da madrugada de terça-feira, em homenagem a Maria Bethânia, usava algum apetrecho da fantasia ou a camisa oficial da escola de samba.

Mas muitos foram buscar no fundo do armário aquela camiseta desbotada com estampa de enredos de outros carnavais, como o aposentado Alberto Azevedo, de 94 anos, que vestiu uma blusa do carnaval de 2008, quando a Mangueira fez uma homenagem ao frevo (“Cem anos do frevo, é de perder o sapato.”), para desfilar pelas vielas da favela. O sentimento de seu Alberto era compartilhado pela maioria:

— Sinto muita emoção, porque era um título esperado há muito tempo — disse ele, que, pela idade avançada, assistiu ao desfile em casa, pela televisão.

A baiana Rosângela de Jesus Tavares, de 60 anos, que há 43 anos rodopia na ala, quase nem dormiu. Depois de passar a noite comemorando na quadra, ela voltou ao local ontem cedo, com uma roupa especial, composta de faixa e vestido florido, para fazer as vezes de cicerone aos que visitavam a quadra da escola. Nas primeiras horas, recebeu um grupo de turistas chineses.

— É uma grande emoção. Esse título estava há muito tempo entalado — vibrou Rosângela, que nem tomou café da manhã.

Turistas tentam sambar

Turistas visitam a quadra da Mangueira - Pablo Jacob / Agência O Globo

A chinesa Qing Lin, que mora em Vancouver, no Canadá, foi à Mangueira com mais seis pessoas, levada por um guia de turismo brasileiro. Com dificuldade para pronunciar o nome da escola de samba, os chineses também suaram para tentar arriscar alguns passos de samba. Tudo para ficar bem na foto.

— Soubemos que a escola foi campeã e quisemos vir à comunidade conhecer a quadra. É uma experiência muito excitante. Sábado vamos lá no Sambódromo ver o desfile das campeãs — disse ela, que fez questão de tirar fotos com a baiana.

Encontro na quadra

Durante toda a manhã, a quadra — onde uma multidão comemorou o título da Mangueira madrugada adentro — virou ponto de encontro para abraços emocionados e conversas sobre o desfile campeão. Vera Lúcia Ferreira, de 60 anos, diretora do departamento feminino da escola, oscilava entre lágrimas e sorrisos.

— Trabalhamos muito, lutamos muito. Passamos tantas horas aqui que a quadra virou nossa casa. Merecemos.

A quinta-feira foi dia de dar um capricho na “casa” para receber tantas visitas. Deuzimar Lins de Oliveira, de 64 anos, coordenador de bateria, pegou no rodo e na vassoura para deixar a quadra limpa para os convidados:

— É muita emoção! Nem sei explicar.

Na casa da família de Dona Neuma, uma das mais importantes personalidades da escola, falecida há 16 anos, o clima era de euforia. O lugar já virou um ponto de encontro de mangueirenses. Márcia da Silva, filha de Neuma e presidente de ala da escola, já acordou cantando o samba-enredo em homenagem a Maria Bethânia.

— Foi a vitória não só da Mangueira, mas do samba. Temos que lutar para que o samba seja valorizado, pois hoje em dia o carnaval virou alegoria — disse Márcia, com um quadro de dona Neuma ao fundo.

Segurança ainda é problema

O Morro da Mangueira está longe de ser uma comunidade tranquila. Embora tenha uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para chamar de sua desde novembro de 2011, as disputas entre quadrilhas rivais nunca cessaram, o que deixa os 17 mil moradores que vivem lá em constante vigilância.

O dia seguinte das escolas campeãs

  • Ritmistas da Mangueira comemoram campeonato na quadra da escola no dia seguinte ao campeonato Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

  • Com a taça do campeonato na quadra, mangueirenses cantam vitória Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

  • Turistas conhecem a quadra da Mangueira após o campeonato Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • A quadra da verde e rosa virou atração turística Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • Pertinho, muita comemoração também na quadra da Paraíso do Tuiuti Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • Acabou o carnaval, mas não a animação dos ritmistas daTuiuti Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • As cores da escola predominavam nas roupas dos integrantes Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • O ritmistas Carlos Antônio, mais conhecido por Feijão, ao lado dos preciosos instrumentos da bateria da Tuiuti Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Em setembro de 2014, a escolha do samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira para o carnaval do ano passado precisou ser adiada por causa da guerra do tráfico. O presidente da agremiação, Chiquinho da Mangueira, disse, à época, ter agido por prudência. Os conflitos passaram a ser comuns depois da morte de Francisco Testas Monteiro de Paula, o Tuchinha, que havia retornado à comunidade após cumprir pena por tráfico de drogas.

Em março de 2015, imagens do circuito interno de um estabelecimento comercial na favela flagraram mais de 10 criminosos fortemente armados numa tentativa de invasão.

A Mangueira é uma das cinco favelas escolhidas para receber obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2. Há previsão de construção de dois planos inclinados no local, 660 casas, além da reforma de praças.