Por tabata.uchoa

Rio - Quando Ruth de Souza entrou para a Cia Experimental do Negro, em 1945, sua única intenção era realizar um sonho de menina, mas foi muito além. Fez história. E essa história está sendo contada no livro ‘Uma Estrela Negra no Teatro Brasileiro: Relações Raciais e de Gênero nas Memórias de Ruth de Souza’ (Editora UEA, 247 págs., R$ 50), de autoria de Julio Claudio da Silva. Na obra, o escritor aborda os primeiros anos de carreira da atriz, seu pioneirismo, sua importância no cenário artístico nacional e para o movimento negro.

O autor Julio Claudio da Silva e Ruth de Souza no lançamento do livro que aborda a história da atrizDivulgação

“Ela foi a primeira atriz negra a encenar uma peça no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (‘O Imperador Jones’ — 1945), a protagonizar uma novela (‘A Cabana de Pai Thomás’ — 1969) e a primeira brasileira a concorrer ao Leão de Ouro, no Festival de Veneza, por sua atuação no filme ‘Sinhá Moça’ (1953). As atrizes negras que estão fazendo sucesso hoje, de certa forma, são herdeiras de Ruth. Sem dúvida alguma, ela abriu espaço para que a arte dramática tivesse outra cor”, diz o autor, que é doutor em História Social.

Do alto dos seus 94 anos e 70 de profissão, Ruth reconhece as mudanças que vêm ocorrendo na cena artística, sobretudo na TV. “A carreira do negro é muito mais difícil porque ganha menos e faz sempre o mesmo papel. Mas, de uns tempos para cá, melhorou, tem quatro ou cinco atores negros em cada novela.

Com Sérgio Cardoso em ‘A Cabana do Pai Tomás’Divulgação

Antigamente, tinha um. A exceção é quando era uma novela que falava dos escravos. Contribuí para mostrar que o negro podia ser ator. Mas, particularmente, eu não posso me queixar. Pelas mãos da Janete Clair (1925-1983), fiz professora, pianista, juíza, enfim, tive a oportunidade de interpretar todo tipo de personagem. E nunca parei de trabalhar”, frisa. 

A aposentadoria só se deu porque a atriz está impossibilitada de andar. “Sinto muita falta de trabalhar. Só estou em casa por uma questão de saúde, tenho um problema nas pernas que não me permite mais andar. Estar em cena para mim é uma terapia. Adoraria voltar a trabalhar, mas como não posso assisto às novelas e acompanho o que a nova geração está fazendo”, diz.

Ser inspiração para jovens atrizes negras é tema tratado com humildade por Ruth. “Não fiz nada com a intenção de receber elogios, o que fiz foi pela minha raça e pela minha vontade de ser atriz. Talvez algumas meninas nem tenham consciência da minha trajetória”, comenta.

Trajetória que é motivo de orgulho para a atriz. “Tenho tantos prêmios, sou reconhecida por tanta gente, sempre recebo o carinho do público. Me sinto totalmente realizada”, afirma. E nem a tal instabilidade da profissão Ruth conhece, já que tem contrato vitalício com a TV Globo.

“Depois que voltei dos Estados Unidos (em 1965, após um ano estudando na Universidade de Harvard e na Academia Nacional de Teatro Americano), fui fazer teatro na TV. Comecei na Globo junto com a emissora. Na época, o doutor Roberto Marinho disse que quem estava desde o início e fizesse 50 anos sem sair da Globo, ia ficar na casa para sempre. Então, tenho contrato fixo até hoje. É muito bom porque dá para organizar a vida. Deus foi muito generoso comigo.”

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