28/11/2015 07h28 - Atualizado em 28/11/2015 07h28

Militares e moradores fazem balanço da ocupação do Alemão

General e coronel que participaram de processo relembram passagens.
Comportamento das forças policiais e falta de infraestrutura são criticados.

Henrique CoelhoDo G1 Rio

A semana entre 21 e 28 de novembro de 2010 começou com ataques a cabines de polícia, ônibus e carros incendiados, arrastões e vários crimes pela cidade do Rio, coordenados por traficantes dos conjuntos de favelas do Alemão e Penha, na Zona Norte do Rio. A resposta da Secretaria de Segurança foi a ocupação e posterior "pacificação do local", trazendo uma esperança para os moradores da região.

A ocupação pelas Forças Armadas durou 19 meses, quando estas entregaram a segurança ao Batalhão de Operações Especiais, no dia 7 de julho de 2012. Após um ano de tranquilidade, o vislumbre de dias melhores, no entanto, foi frustrado: os tiroteios voltaram a ser frequentes, especialmente em 2014 e 2015, e os serviços prometidos à região não chegaram, implicando na saída de parceiros estratégicos e do setor privado. Moradores se dizem preocupados com o futuro.

"Não consigo ver a situação melhorando, infelizmente. Sem emprego, sem oportunidade, sem educação, não tem como melhorar", afirma um morador da Fazendinha, que pediu para não ser identificado.

Mais apreensões e mortes
Nos quatro dias de operação, foram empregados 1.800 soldados para ocupar uma área de 10 quilômetros quadrados, com uma população de aproximadamente 60 mil pessoas, divididas em 23 favelas e hoje vigiadas por oito unidades de Polícia Pacificadora.

Na comparação entre o segundo semestre de 2010 e o primeiro semestre de 2015, segundo dados do Instituto de Segurança Pública, houve mais apreensões e prisões em flagrante e uma queda de 66% nos índices de letalidade violenta [como autos de resistência, homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal] no Complexo da Penha, de 9 para 3. As apreensões de drogas passaram de 16 para 59, um aumento de 269%, e as prisões em flagrante saltaram de 8 para 42 na comparação, um aumento de 425%.

No Alemão, no entanto, o número de mortes no primeiro semestre foi de 11, igualando o primeiro semestre de 2007, auge do período de dominação do tráfico na região. Em relatório da secretaria de Segurança, o número foi considerado "atípico" para o período. Foram cinco homicídios dolosos e seis homicídios decorrentes de intervenção policial.

'Não fizeram dever de casa'
O coronel Fernando Montenegro, comandante de uma das duas Forças de Pacificação das duas comunidades, não crê que uma hipotética reocupação do Alemão, com ou sem as Forças Armadas, seja a melhor solução para a região.

"Entramos para dar a segurança, para que o Estado viesse. Os políticos claramente não fizeram o dever de casa", critica o oficial, que entregou as comunidades ao Bope em 2012 para iniciar a instalação das UPPs. 

Coronel Fernando Montenegro comandou uma das Forças-Tarefa no Alemão e Penha (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)Coronel Fernando Montenegro comandou uma das Forças-Tarefa no Alemão e Penha
(Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)

 

"Lembro que os moradores sempre pediam a nós que continuássemos no local. Deixamos a região em boas condições", aponta o coronel, hoje na reserva. A missão do Exército, segundo ele, poderia ter sido mais bem sucedida se a entrada nas casas fosse liberada.

"Os traficantes se escondiam nas casas, e não conseguíamos procurá-los. Era preciso um estado de exceção para que conseguíssemos ter a liberdade necessária", tenta se explicar ele, que lançou com o jornalista Marcos Ommati um livro de ficção, Comando Verde, sobre a pacificação. "Era como os traficantes nos chamavam, achei bom para usar no título do livro", relembra ele.

'Não se pode abandonar o combate'

Coronel esteve na Vila Cruzeiro e Alemão (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)Oficial participou de missões em 2010
(Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)

A localidade conhecida como Inferno Verde, que liga os complexos da Penha e do Alemão, foi utilizada por criminosos como rota de fuga, em imagens que marcaram a ocupação. Para o então comandante de policiamento de área da capital, coronel Marcus Jardim, aquele foi um momento histórico.

"Nunca tínhamos entrado no Alemão daquele jeito, era impressionante. Vimos inclusive mansões luxuosas de traficantes em meio à pobreza reinante. Prendemos, apreendemos armas, foi ótimo", afirma ele

Após a instalação das UPPs, o coronel, também na reserva, considera que faltou enfrentamento aos criminosos. "Você não pode passar perfume sem antes tomar banho. Tentamos fazer ações preventivas, mas nunca se pode abandonar o combate", dispara.

Revolta e indignação
Por mais de 16 anos, Therezinha Maria de Jesus viveu na localidade da Grota, na Fazendinha. Lá, nasceu Eduardo de Jesus Ferreira, que morreu com um tiro na cabeça no dia 2 de abril. Therezinha, atualmente, vive a dor da perda do filho e a incerteza se um dia conseguirá voltar à comunidade.

"Antes da UPP, não vou dizer que era melhor, mas a gente não vivia essa guerra que estamos vivendo. Não existe pacificação quando você não pode levar ou buscar seu filho na escola por causa dos tiros. Ele tinha muito medo, me levava logo para dentro de casa, e rezava até os tiros passarem", lembra ela, que voltou para o Piauí, sua terra natal, após a morte do filho.

Terezinha Maria de Jesus, 36, mãe do menino Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, morto durante ação policial no Conjunto de Favelas do Alemão. (Foto: Daniel Silveira / G1)Terezinha diz que até 2010 não havia "guerra"
(Foto: Daniel Silveira / G1)

Rene Silva, diretor do jornal Voz da Comunidade, argumenta que houve benefícios na região, mas que eles ainda não são suficientes.

"Antes, nós falávamos dos problemas ligados à falta de infraestrutura, e agora falamos também dos abusos de poder da polícia. A prefeitura instalou creches, cinema e Praça do Conhecimento, mas precisamos de mais investimento em cultura e educação profissionalizante", avalia.

Policiais em perigo
Nos complexos do Alemão e Penha, houve 12 casos de mortes de policiais desde o início das UPPs no local (acompanhe na tabela abaixo). O número soma impressionantes 50% das 24 mortes de policiais em serviço nas UPPs do Rio desde a implantação do projeto, em 2008.
O caso mais dramático foi o da morte do capitão Uanderson Manoel Gomes da Silva, comandante da UPP da Nova Brasília, em setembro de 2014. Recentemente, o PM Caio Cesar Ignácio, dublador do personagem Harry Potter na versão brasileira, também morreu durante uma emboscada feita por criminosos.

"Estamos abandonados. Há tiroteios quase todo dia, já cansei de perder amigos. Os moradores de lá querem a sacanagem, o tráfico e o consumo de drogas, além de bailes funk", conta ao G1 um policial da UPP do Alemão, que pediu para não ser identificado. Desde o início de janeiro de 2015, a PM realiza com soldados de UPP um curso de capacitação para policiais, a fim de melhorar sua atuação nas comunidades.

Policiais mortos nos Complexos do Alemão e Penha:

2012- Soldado Fabiana Aparecida de Souza (Nova Brasília)
Cabo Fabio Barbosa da Silva (UPP Alemão)

2013- Soldado Melquisedeque Basílio (Parque Proletário)

2014- Soldado Wagner Vieira Cruz
Tenente Leidson Acácio (Vila Cruzeiro);
Soldado Alda Rafael Castilho (Parque Proletário);
Soldado Rodrigo Paes Leme
Capitão Uanderson Manoel da Silva (Nova Brasília);
Soldado Fábio Gomes da Silva (Fazendinha)

2015 - Cabo Anderson Fernandes (Fazendinha);
Soldado Marcelo Soares do Reino (Alemão)
Soldado Caio Cesar Ignácio Cardoso de Melo (Fazendinha)

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