Por fabio.klotz

Rio - Se São Pedro não ajudar, o Rio tem água para apenas nove meses. O saldo nesse "banco hídrico" zeraria se até maio não caísse nem uma gota. Situação improvável, mas os fluminenses já estão no negativo há tempos e ficarão sem água se não reverem hábitos. Hoje, nos quatro reservatórios, há 3,252 trilhões de litros, mas boa parte não pode ser usada já. Apenas 7,49% do total está acima do volume morto, onde não há como captar sem a utilização de bombeamento ou obras demoradas. Ano passado, estávamos 19% acima dessa "linha-limite".

Lava-jato a toda pressão%3A desperdício de águaSeverino Silva / Agência O Dia

A conta foi feita pelo DIA a partir de dados da Secretaria Estadual do Ambiente. A situação dos reservatórios do Rio Paraíba do Sul, de onde vem a água do Guandu, é a pior desde que o sistema foi criado, nas décadas de 50 e 60. E não tende a melhorar: nos últimos dois verões, a média de chuvas ficou na metade da taxa histórica, e os meteorologistas creem que, no próximo verão, o panorama não deverá mudar.

Vazamento de água em Vila Isabel%3A outra prova do desperdício no RioSeverino Silva / Agência O Dia

“Essa conta não é tão simples, pois vai chover. Mas a verdade é que nem mesmo as autoridades sabem quanto de água tem nos reservatórios, que sofrem com erosão e não são estudados há décadas. Não é possível disponibilizar todo o volume morto. Estamos no nível mais crítico na história do Paraíba do Sul, e o Rio depende dele”, alertou Paulo Carneiro, pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ.

O estado reduziu nesta quinta-feira a vazão do sistema do Paraíba do Sul para o Guandu a 75 metros cúbicos por segundo. Segundo o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, a medida é para garantir o abastecimento para os moradores e pediu que a população economize.

“No ano passado já foi ruim. Este ano está sendo pior. Nós estamos priorizando o abastecimento humano”, disse.

As indústrias do estado já sofrem com as restrições. Segundo pesquisa encomendada pela Firjan, 30% delas responderam enfrentar problemas pela escassez de água, o que resultou em aumento no custo e queda da produção. Aproximadamente 14% das indústrias chegaram a parar de produzir por pelo menos um dia. O consumo industrial é, em média, três vezes maior que o domiciliar. Em São Paulo, onde a crise hídrica começou antes, fábricas já utilizam água do mar em processos industriais.

“A demanda por água já é maior que a capacidade de oferta em São Paulo, e se não mudarmos logo os hábitos de consumo, além de buscarmos novas fontes e tecnologias, o Rio chegará lá”, afirmou Luis Augusto Azevedo, gerente-geral de Meio Ambiente da Firjan.

O DIA flagrou cenas de desperdício nesta quinta-feira no Rio, como vazamento de água tratada e lava-jatos funcionando a toda pressão.

“Consertaram hoje (quinta-feira), mas trocaram o hidrômetro daqui e deixaram vazando de sexta-feira passada até a quinta (ontem). Isso é um absurdo”, questionou o síndico de um prédio na Rua Senador Nabuco, em Vila Isabel, Renato Nogueira.

Vazamento durou praticamente uma semanaSeverino Silva / Agência O Dia

Um terço da água que a Cedae produz vai para o ralo

A Cedae, em nota, reconheceu que perde 30% da água tratada. Segundo a empresa, 20,8% são de perdas comerciais ("gatos" e hidrômetros defeituosos); 7% em vazamentos e 3% em lavagem dos filtros das estações.

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento mostram que no Rio consome-se mais água que em todos os outros estados. Em 2013, os fluminenses consumiram cerca de 253,1 litros por dia, mais de duas vezes o recomendado pela ONU: 110 litros de água por pessoa ao dia. Em São Paulo, a taxa foi de 180 litros.

“O Rio tem centenas de favelas, ocupações irregulares, onde há ligações clandestinas. Além disso, a taxa de medição por hidrômetro é baixa, de pouco mais de 60%, quando no Brasil supera os 90%. Há muito consumo estimado”, ressalta o professor de engenharia sanitária da Uerj Adacto Ottoni.

INFOGRÁFICO: Reservatórios 'no fim da vida'

No Méier, conta caiu à metade

O nome dela diz tudo: Auxiliadora. Ao assumir como síndica de 144 apartamentos no Méier, Maria Auxiliadora Patrício levou um susto com a água: R$ 25 mil. “Arrecadávamos R$ 50 mil quando todos pagavam em dia. Então, metade do dinheiro ia para a Cedae".

A estratégia foi cada um pagar a água em separado.

“Gente que morava sozinha pagava o mesmo que uma família de cinco. Consegui aprovar em assembleia a instalação de hidrômetros individuais. Hoje a conta está em R$ 11 mil”, menos da metade, comemora "a que ajudou".

Auxiliadora ganhou ano passado R$ 10 mil no prêmio Sustentabilidade do Secovi-Rio. Ela também trocou bombas hidráulicas velhas e, com isso, ainda economizou energia.

Nunca é tarde para aprender e poupar água

No registro

Se você mora em casa ou já possui hidrômetro individual em seu condomínio, faça ao menos uma vez a cada 15 dias o teste do relógio. Certifique-se de que ninguém está gastando água e olhe o aparelho. A medida é fundamental para descobrir se há vazamentos.

No chuveiro

Evite tomar banhos muito demorados: a cada minuto no boxe esvaem-se seis litros de água. Cinco minutos debaixo do chuveiro, ou 30 litros, são mais do que suficientes.

No banheiro

Não use o vaso sanitário como lixeira ou cinzeiro, porque, além de gastar mais água, os objetos despejados ainda podem causar grandes entupimentos na rede.
Procure manter o mecanismo de descarga sempre bem regulado para evitar o desperdício. Verifique tanto o tampão do ralo, que quando muito velho frequentemente deixa água escapar, quanto a "boia" que cessa o enchimento. Modelos mais novos a dispensam.

Feche a torneira enquanto escova os dentes ou faz a barba. Uma única pessoa pode economizar 1,9 milhão de litros de água ao longo da vida se corrigir esse hábito - e um casal consciente na pia do banheiro consegue, nesse tempo, poupar o equivalente a três piscinas semiolímpicas.

Ao fechar a torneira, certifique-se de que ela não ficou pingando. Ao longo de um ano, esse pinga-pinga desperdiça, pelo menos, 16 mil litros de água tratada.

Na cozinha

Feche a torneira enquanto estiver ensaboando a louça. Uma forma também de economizar é colocar água com detergente até a metade da pia e deixar a louça e os talheres de molho durante um tempo. Depois de ensaboar, encha a pia com água limpa e enxágue tudo de uma vez.

Nem pense em despejar óleo de cozinha na pia: 300 ml, quantidade mais que suficiente para fritar bolinhos ou batatas, são capazes de inutilizar até cinco mil litros - além de causar mau cheiro.

Lavando roupas

Deixe acumular roupa para lavar de uma só vez. Só ligue a máquina quando ela for ficar cheia. Esqueça o ciclo longo! A maioria das máquinas hoje permite que você programe para apenas um re-enxágue após a retirada do sabão e antes da centrifugação. Produtos também estão se adaptando a lavagens rápidas.

No tanque, mantenha a torneira fechada enquanto ensaboa e esfrega as roupas. Aproveite a água que usou para ensaboar as roupas para lavar o quintal.

Com o carro

Para lavar o carro, opte por usar balde e pano, evitando o uso de mangueira. Isso deve ser feito sempre, principalmente durante o período de estiagem.

Na calçada

Na hora de limpar a calçada de sua casa, use vassoura e balde com água. "Varrer" o passeio com a mangueira só traz mais desperdício: em 15 minutos, o gasto chega a 280 litros.

No jardim

Para regar plantas, é preferível usar um balde de água ou mesmo o velho regador. Em gramados muito extensos, utilize o "esguicho-revólver", que permite cortar o fluxo da torneira, bem mais econômico do que a mangueira de borracha tradicional.

Na piscina

Sempre que a piscina não estiver sendo utilizada, ponha uma cobertura, como a de lona. A perda por evaporação diminui até 90%. Em uma piscina de tamanho médio, dá para ganhar 3.785 litros de água - ou o bastante para abastecer uma casa com quatro pessoas por um ano e meio.

CPI prevê bônus ou multa

A CPI da Alerj que investiga a crise hídrica no estado e a transposição do Paraíba do Sul vai sugerir, no relatório final, que os consumidores fluminenses recebam bônus quando gastarem abaixo da média e sejam punidos quando o consumo for acima da média.

Em fevereiro, no auge da preocupação com o verão sem chuvas, o governador Pezão cogitou a possibilidade de dessalinizar a água do mar. “Os governos precisam se modernizar. Não podemos depender somente dos atuais recursos hídricos”, observou Pezão.

Para o pesquisador Paulo Carneiro, a medida não seria necessária em todo o estado. “É uma iniciativa, talvez, no longo prazo, mas, no caso específico, por exemplo, de Maricá, que não consegue captar água do sistema Imunana-Laranjal, não tem o recurso em seu solo e está longe do Guandu, a dessalinização seria bem-vinda.”

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