Desfile polêmico de 1989: carro com Cristo coberto e ala de mendigos Foto: Ricardo Leoni / O Globo

Beija-Flor: do luxo ao lixo, brilha a comunidade da Baixada na avenida

A "Deusa da Passarela" se diz preparada para desfilar entre as campeãs de novo

por Rafael Galdo, Renata Oliveira, Roberta Amazonas

Conhecida como a Deusa da Passarela, a Beija-Flor de Nilópolis é vencedora de 12 títulos no carnaval carioca. Sua história pode ser dividida entre antes e depois de Joãosinho Trinta, carnavalesco que deixou um legado de desfiles memoráveis nos 16 anos que permaneceu na azul e branca.

Seus torcedores e componentes apaixonados ainda estão estremecidos com o sétimo lugar do ano passado. E se preparam incansavelmente para resgatar seu histórico de campeonatos.

"Um Griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade" será o enredo defendido pela azul e branca este ano, mais uma vez com a comissão de carnaval liderada por Laíla.

A História

Alegoria da Beija-Flor em 1976 - Anibal Philot / O Globo

Foi de um grupo de jovens a ideia de organizar um bloco para animar o carnaval de Nilópolis. A inspiração surgiu durante as festas natalinas, exatamente no dia 25 de dezembro de 1948. Os mentores foram Milton de Oliveira (Negão da Cuíca), Edson Vieira Rodrigues (Edinho do Ferro Velho), Helles Ferreira da Silva, Mário Silva, Walter da Silva, Hamilton Floriano e José Fernandes da Silva. Depois de discussões internas, por sugestão de Dona Eulália de Oliveira, mãe de Negão da Cuíca, a agremiação receberia o nome de Beija-Flor, inspirada numa outra organização carnavalesca que já existia.

Em 1953, o Bloco Associação Carnavalesca Beija-Flor foi vitorioso na região onde nasceu, e então foi inscrito por Silvestre David do Santos (Cabana), integrante da ala dos compositores, como escola de samba na Confederação das Escolas de Samba, para participar do desfile oficial de 1954, no segundo grupo.

Já na sua estreia, foi campeã e passou para o Grupo I, no qual permaneceu até 1963, quando caiu para o segundo grupo. Em 1964, amargou um novo rebaixamento, indo parar na terceira divisão. O retorno às grandes só aconteceria em 1974, sob a liderança de Nelson Abraão David. E de escola modesta logo seria alçada, a partir de 1976, a uma das agremiações mais famosas da folia.

Pode-se dizer que a história da agremiação é dividida entre antes e depois de Joãosinho Trinta, que assumiu o cargo de diretor em 1976, com um enredo em homenagem ao jogo do bicho: "Sonhar com rei dá leão". Os desfiles assinados por Joãosinho mudaram a estética do carnaval, com muito luxo. A escola seria campeã de novo em 1977, com "Vovó e o rei da Saturnália na corte egípcia". No ano seguinte, em mais um desfile marcante, foi tricampeã, com "A criação do mundo na tradição nagô".

A sequência só foi interrompida em 1979, quando a azul e branca foi superada pela Mocidade de Arlindo Rodrigues. Mas, em 1980, a Beija-Flor venceria de novo, ao lado de Portela e Imperatriz, com "O sol da meia-noite, uma viagem ao país das maravilhas". Já "A grande constelação das estrelas negras", de 1983, daria à escola seu quinto título. A agremiação de Nilópolis tinha se transformado numa potência.

Mas a partir daí viveria um jejum de mais de uma década. Sempre fazia grandes desfiles, chegava perto da vitória, mas não vinha. Em 1986, por exemplo, em "O mundo é uma bola", nem um temporal que alagou a Sapucaí tirou o brilho da escola, que acabou vice-campeã.

É desse período também o que é considerado por muitos um dos maiores desfiles do carnaval. Em 1989, a escola conhecida pelo luxo de suas alas e alegorias surpreendeu com o enredo "Ratos e urubus, larguem a minha fantasia", de Joãosinho Trinta, levando para o sambódromo carros e alas repletos de lixo. Seu famoso Cristo mendigo causou muita polêmica dentro e fora da Avenida. Resultou em uma ação judicial pela Igreja Católica. E a imagem foi proibida pela Justiça. Acabou que a alegoria passou pelo desfile coberta por um plástico preto, com a inscrição "Mesmo proibido, olhai por nós". Foi histórico, mas a escola terminou no segundo lugar, atrás da Imperatriz Leopoldinense.

No carnaval de 1992, um casal desfilou completamente nú na avenida no enredo "Há um ponto de luz na imensidão". Joãosinho Trinta contrariou, assim, a determinação da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) que proibia pessoas com a genitália desnuda nos desfiles na Sapucaí. A escola perdeu pontos, e o carnavalesco rompeu com a agremiação.

Com a saída do gênio, após o carnaval de 1992 a escola colocou no posto Maria Augusta, em 1993, e o jovem Milton Cunha, de 1994 a 1997. Já em 1998, a Beija-Flor inovou. Criou uma comissão de carnaval, comandada por Laíla e com artistas como Fran-Sérgio e Cid Carvalho. Deu certo! A azul e branca rompeu o jejum de títulos, empatada com a Mangueira.

Durante os anos 2000, a escola se manteve nas primeiras colocações e, no período entre 2003 e 2005, conquistou seu segundo tricampeonato. Em 2003, com "O povo conta a sua história: saco vazio não para em pe, a mão que faz a guerra, faz a paz", surgiu como revelação a passista mirim Raíssa de Oliveira, que tornou-se rainha de bateria com apenas 12 anos, posto que ocupa até hoje. No ano de 2004, a Beija-flor conquistou o bicampeonato com o enredo "Manoa, Manaus, Amazônia, Terra Santa: Alimenta o Corpo, Equilibra a Alma e Transmite a Paz". A escola desfilou sob forte chuva, que combinou com o trecho do samba "Água que lava minh'alma ao matar a sede da população", animando o público do sambódromo e impulsionando a escola ao título. Em 2005, o título foi com o enredo "O vento corta as terras dos Pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani, sete povos na fé e na dor... Sete missões de amor".

A Beija Flor volta a ganhar em 2007. Foi um dos desfiles mais impressionantes da década, luxuoso e belo para retratar o enredo "Áfricas - do berço real à corte brasiliana" . No ano seguinte, a comissão de carnaval escolheu o enredo "Macapaba: Equinócio Solar, viagem fantástica ao meio do mundo" e conquistou o bicampeonato, seu 11º título. No ano seguinte, o tema escolhido para o desfile foi "No chuveiro da alegria, quem banha o corpo lava a alma na folia", que falava sobre o hábito de higiene pessoal e os diversos tipos de banho. Houve naquele ano uma pequena mudança no estilo do samba-enredo escolhido. Aquele carnaval também ficou marcado por ter sido realizado o casamento de Neguinho da Beija-Flor, que se recuperava de um câncer, em plena passarela, pouco antes do desfile, com cerimônia transmitida ao vivo pela Rede Globo.

Em 2010, a Beija-Flor levou para a Marquês uma homenagem aos 50 anos de Brasília, sendo considerado um enredo polêmico. Para 2011, o tema escolhido para o carnaval foi uma homenagem ao cantor Roberto Carlos, que se declarara torcedor da agremiação. Foi uma comoção a passagem do Rei pela Avenida, e a Beija-Flor foi campeã de novo, com "A simplicidade de um rei".

No ano de 2012, com a inclusão de André Cezari, junto com Laíla, Fran-Sérgio, Ubiratan Silva e Victor Santos na comissão de carnaval, a Beija-Flor homenageou os 400 anos da cidade de São Luís do Maranhão, em que lembrou Joãosinho Trinta, falecido no ano 2011. No ano seguinte, a escola contou a história do cavalo, com patrocínio da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Mangalarga Marchador. Com o vice-campeonato, garantiu vaga no desfile das campeãs, que já participava desde 1993.

Em 2014, o enredo homenageava a história das grandes produções televisivas na figura de Boni. A escola mudou de estilo, levando inovação tecnológica para Marques de Sapucaí. Entretando, ao levar notas baixas em vários quesitos, acabou ficando na sétima colocação e, consequentemente, fora do desfile das campeãs. Este foi o pior resultado da escola desde 1992.

Desfilar entre as campeãs há anos é uma orgulhosa rotina para a agremiação da Baixada. Ao todo, a Beija-Flor de Nilópolis venceu 12 dos desfiles de carnaval do Rio de Janeiro, nos anos de: 1976,1977, 1978 , 1980, 1983 , 1998 , 2003 , 2004 , 2005, 2007 , 2008 e 2011. Outras 12 vezes, participou do desfiile das campeãs comemorando o segundo lugar em: 1979, 1981, 1985, 1986, 1989, 1990, 1999, 2000, 2001, 2002, 2009 e 2013.

Compositores e sambas

Neguinho da Beija Flor, compositor e intérprete da "Deusa da Passarela" - Márcio Alves / Agência O Globo

Dono da “voz da escola”, Neguinho da Beija-Flor também se destaca como um dos principais compositores. Já em seu segundo ano na azul e branca, 1976, Neguinho ganha seu primeiro título com o samba-enredo "Sonhar com rei dá leão", de sua autoria. Neguinho seguiu compondo e levantando o público na Sapucaí em 1978, 1981, 1983, 1984, 1992 e 1993.

“Sonhar com filharada/ é o coelhinho / Com gente teimosa, na cabeça dá burrinho / E com rapaz todo enfeitado / O resultado pessoal/ É pavão ou é veado”, dizia o samba de 1976.

Outro nome de peso entre os compositores da escola foi Nêgo, irmão de Neguinho e seus parceiro em diversos sambas. Nos anos 2000, com sambas de compositores como Cláudio Russo, a escola define um estilo bem próprio de samba-enredo, normalmente mais pesados e longos do que de outras agremiações. Em 2007, em "Áfricas, do berço real à corte brasiliana", a escola apresentou uma das mais belas composições desse período, com uma segunda parte repleta de referência ao voculário afro.

"Zumbi é rei / Jamais se entregou, rei guardião / Palmares, hei de ver pulsando em cada coração / Galanga, pó de ouro e a remição, enfim / Maracatu, chegou rainha Ginga / Gamboa, a Pequena África de Obá / Da Pedra do Sal, viu despontar a Cidade do Samba / Então dobre o run / Pra Ciata d'Oxum, imortal / Soberana do meu carnaval, na princesa nilopolitana / Agoyê, o mundo deve o perdão / A quem sangrou pela história / Áfricas de lutas e de glórias"

Em 2006, foi lançado o primeiro disco da ala de compositores da escola. CD no qual participaram Jorginho da Beija-Flor, Serginho Porto, Miro Barbosa, Marquinhos Art' Samba, Picolé da Beija-Flor, Gilson Bacana, Carlinhos Amanhã, Wilson Bombeiro, Veni e ainda Gilson Dr. O álbum foi dedicado à ala e a a outros compositores da agremiação, como Espuma, Tião Barbudo e Anézio, já falecidos.

O samba que a Beija-Flor leva para avenida este ano tem a assinatura de J.Velloso, Samir Trindade, JR Beija-Flor, Marquinhos Beija-Flor, Gilberto Oliveira, Elson Ramires, Dílson Marimba e Sílvio Romai, e tem como ponto alto o refrão do meio, que apresenta um olhar sobre a África.

Bateria e sua musa

A bela Raíssa de Oliveira à frente da bateria, em 2011 - Marcelo Theobald / Agência O Globo

O apelido como é conhecida já diz tudo: “Poderosa” . São 270 ritmistas talentosos e dedicados sob o comando dos mestres Rodney e Plínio que não abrem mão de trabalhar intensamente para fazer bonito e mostrar o poder na avenida. Sem medir esforços, os mestres de bateria querem manter a bateria da Beija-Flor como uma das favoritas do carnaval carioca. No ano de 2014, a bateria foi o único quesito em que a escola não perdeu ponto.

À frente dos ritmistas, hoje aos 24 anos, Raíssa de Oliveira, rainha de bateria da Beija-Flor, mostra há 12 anos simpatia, samba no pé e a beleza que abrilhanta a escola da Baixada desde que assumiu o posto, que já teve outras referências da comunidade, como Soninha Capeta.

Velha guarda

Velha Guarda Show da Beija-Flor Foto: divulgação - Divulgação / Irapuã Jeferson / Agência O Globo

"A Velha Guarda é o alicerce da escola!" A afirmação é de Tia Débora, presidente da ala de veteranos da Beija-flor. Na escola há 43 anos, Tia Débora se orgulha em dizer que passou por todos os setores da escola, na qual já foi destaque, passita, participou da ala das baianas, até chegar à velha guarda, há 10 anos.

A Velha Guarda da Beija-Flor mantém seu papel fundamental de garantir que a memória e a história da agremiação sejam preservadas. Na escola de Nilópolis são 80 componentes que contribuem para o sucesso dos desfiles com elegância e brilho.

Foi de Marcio Frigideira, ritmista da agremiação, a ideia de reorganizar o grupo na Velha Guarda Show da Beija-Flor e montar um musical que contasse, através do repertório, a história da agremiação e suas muitas vitórias na história recente do Carnaval.

O grupo musical é composto por oito baluartes da azul e branca e oito músicos. A preparação dos cantores foi feita por professores de música da rede pública da cidade de Nilópolis, que ensaiou o grupo cerca de 4 meses antes de sua estreia.

- Participam diretamente da Velha Guarda Show oito dos 80 integrantes da Velha Guarda. Mas todos acabam se envolvendo, assistindo os ensaios e vibrando com a nossa evolução. A criação da Velha Guarda Show, além de reviver a história da escola, levanta a autoestima de todos os veteranos da azul e branco", destacou tia Debora.

No repertório da Velha Guarda Show não podem faltar os sambas que deram os títulos da Beija-Flor, além de outras obras importantes da história da escola.

Comunidade

Selminha Sorriso ensina às crianças da comunidade a reverência ao pavilhão da escola - Divulgação

A cidade de Nilópolis fica na Baixada Fluminense. Fundada por João Alves Mirandela, seu nome só foi mudado para Nilópolis em 1921, em homenagem ao presidente Nilo Peçanha. O local, que em 1531 pertencia à capitania hereditária de São Vicente e já foi ligado a Nova Iguaçu, é cheio de histórias e curiosidades.

Dividida nos bairros Nova Cidade, Novo Horizonte, Olinda, Cabral, Manuel Reis, entre outros, a cidade tem no comércio e em algumas indústrias suas maiores fontes de renda, mas é a escola de samba a maior expressão da cidade.

Orgulho dos moradores, a agremiação desenvolve o projeto Sonho do Beija-Flor. Através dele, novos talentos são descobertos para o carnaval e as atividades incluem cursos de passistas e bateria, de mestre-sala e porta-bandeira. Aulas são coordenadas ministradas pelo famoso casal da escola, Selminha Sorriso e Claudinho. A missão é formar sambistas e cidadãos.

Além disso, a Beija-Flor mantém uma creche, um educandário, um centro profissionalizante, escolinhas de natação e balé e promove, anualmente grandes festas de São Cosme e Damião e Natal para a comunidade.

Personalidades

Joãosinho Trinta em "Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia", de 1989 - Sebastião Marinho / O Globo

JOÃOSINHO TRINTA

Revolucionário, o carnavalesco teve seu auge na escola de Nilópolis, onde trabalhou por 17 anos. Sob seu comando, a Beija-Flor desfilou com “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia” e levou para a avenida a polêmica réplica coberta do Cristo Redentor com a faixa “mesmo proibido, rogai por nós”. Quando a agremiação homenageou, em 2012, a capital do Maranhão, São Luís – sua cidade natal, a última alegoria reproduziu o monumento coberto, mas com um toque especial: com a imagem descoberta, quem estava de braços abertos era Joãosinho Trinta.

NEGUINHO DA BEIJA-FLOR

“Olha a Beija-Flor aí, gente!” Mesmo quem não acompanha com empenho o carnaval carioca conhece o bordão de Neguinho da Beija-Flor, nome artístico de Luís Antonio Feliciano Marcondes. Antes de ser a voz da escola de Nilópolis, Neguinho estreou em 1970 como intérprete do Bloco Carnavalesco Leão de Nova Iguaçu. Em 1975, entrou para a Beija-Flor e já no ano seguinte ganhou o primeiro título com “Sonhar com Rei dá leão”, samba-enredo de sua autoria.

SELMINHA SORRISO

A porta-bandeira nota dez da Beija-Flor já tem mais de 25 anos de avenida, sendo pelo menos 20 com a bandeira da escola. Com seu sorriso característico, Selminha ainda trabalha como bombeira, cuida do projeto infantil da agremiação e é uma das responsáveis pela ala das passistas.

SÔNIA CAPETA

Sônia foi rainha de bateria da Beija-Flor de 1988 a 2002, antes de passar a faixa para Raíssa Oliveira. Personagem do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”, dirigido por Walmor Pamplona e com roteiro do jornalista Aydano André Motta, Sônia Capeta atualmente é destaque da escola e diz que a Beija-Flor é tudo para ela.

LAÍLA

O diretor de carnaval da Beija-Flor já liderava a escola mirim Independente da Ladeira com sete anos de idade. Laíla passou pelo Salgueiro, onde chegou a ser diretor de harmonia, mas foi na escola de Nilópolis que ele se encontrou. Desde 1976 na azul e branco, com alguns períodos trabalhando em outras escolas, Laíla só sai do barracão para comandar os ensaios técnicos na quadra e nas ruas da comunidade.

O grande desfile

Alas da Beija-Flor em 1989 - Arquivo / O Globo

Foi em 1989, pelas mãos de Joãosinho Trinta, que a Beija-Flor de Nilópolis viveu seu grande e inesquecível carnaval na Sapucaí, um espetáculo criativo e revolucionário, diferente de tudo que se tinha visto na Avenida, embalado pelo samba-enredo "Ratos e Urubus, larguem minha fantasia!", de Betinho, Glyvaldo, Zé Maria e Osmar

A imagem do Cristo Mendigo, censurado pela justiça após ação da Igreja, que considerou desrespeito com as crenças cristãs, entrou na avenida coberto por um plástico preto e uma faixa "Mesmo proibido, olhai por nós!". Acompanhando a alegoria, mendigos de verdade ocupavam a Sapucaí, vestidos de trapos, juntaram seus lixos e fizeram uma apresentação memorável. Era o "lixo do luxo e o luxo do lixo", como a sinopse do enredo descrevia. Uma contra-proposta às referências de que o carnavalesco só realizava apresentações grandiosas e luxuosas.

O polêmico desfile ocorrido na manhã da terça-feira do carnaval de 89 em nada lembrava apresentações luxuosas de Joãosinho e sua equipe. Aquele dia fez com que o carnavalesco e a escola entrassem definitivamente para a história dos grandes carnavais. Já na abertura do desfile, sucatas e lixo tomaram conta da Sapucaí. A partir do terceiro carro, o desfile começava a ganhar cores, e o luxo surgiu. Os setores eram divididos com alegorias e alas com críticas à Igreja, à imprensa, à política... Um dos carros trazia uma réplica do prédio do Congresso Nacional.

À medida que a escola evoluía, o público acompanhava com entusiasmado, ajudado pelo samba contagiante. Durante a passagem da Beija-Flor, outro fato histórico no Sambódromo. Os portões foram abertos, e o público que se aglomerava do lado de fora foi ocupando os espaços vazios das arquibancadas.

O histórico desfile rendeu o segundo lugar à agremiação da Baixada. A disputa foi acirrada com a Imperatriz Leopoldinense, que ganhou o título daquele ano.

A escola em 2015

Laíla comanda, desde 1998, a comissão de carnaval da Beija-Flor - Nina Lima / Agência O Globo

Mais uma vez sob o comando de Laíla, a comissão de carnaval da escola prepara as alegorias e fantasias para apresentar na Avenida um enredo que exalta a cultura e a alma africana: "Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade." O samba de autoria de J.Velloso, Samir Trindade, JR Beija-Flor, Marquinhos Beija-Flor, Gilberto Oliveira, Elson Ramires, Dílson Marimba e Sílva, embalado pela voz única e marcante de Neguinho da Beija-flor, já está na boca do povo de Nilópolis, que acredita na conquista de mais um título.

Reverenciando o pavilhão da escola, o famoso casal Selminha Sorriso e Claudinho faz as honras na abertura do desfile de azul e branca. Na regência dos 270 ritmistras da "Poderosa" estão mestres Plínio e Rodney, que contam com a ginga e a simpatia da não menos poderosa Raíssa Oliveira, no merecido posto há 12 anos.

Inconformada com a sétima posição no desfile de 2014 e decidida a garantir seu retorno ao desfile das campeãs, a escola ensaia em sua quadra na Rua Pracinha Wallace Paes Leme 1.025, em Nilópolis, sempre nas noites de quinta-feira, às 22h. Confira a letra do samba:

Vem na batida do tambor
Voltar na memória de um griô
Fala cansada, mãos calejadas
Ouça menino beija-flor
Ceiba árvore da vida
Raízes na verde imensidão
Na crença de tribos antigas
Força incorporada nesse chão
O invasor singrou o mar, partiu em busca de riquezas
E encontrou nesse lugar
Novas índias, outras realezas
Destino trocado, tratado se faz
Marejam os olhos dos ancestrais

Nego canta, nego clama liberdade
Sinfonia das marés saudade
Um africano rei que não perdeu a fé
Era meu irmão, filho da guiné

Formosa divina ilha testemunha dos grilhões
Eu vi a escravidão erguer nações
Mas a negritude se congraça
A chama da igualdade não se apaga
Olha a morena na roda e vem sambar
Na ginga do balelé, cores no ar
Dessa mistura, vem o meu axé, canta brasil, dança guiné
Criança, levanta a cabeça e vai embora
O mar que trouxe a dor riqueza aflora
Tem uma família agora
Quem beija essa flor não chora

Sou negro na raça, no sangue e na cor
Um guerreiro beija-flor
Óh minha deusa soberana
Resgata sua alma africana

Veja aqui a ficha técnica de todas as escolas de samba do Grupo Especial para o carnaval 2015.

Fique por dentro do carnaval do Rio. Baixe o app Carnaval 2015 O Globo