Conteúdo publicado há 1 mês

Suspeita de emitir laudos falsos de câncer não tem registro de dermatologia

A médica Carolina Biscaia, suspeita de emitir laudos falsos de câncer de pele para pacientes, não tem registro de especialidade na área de dermatologia.

O que aconteceu

Biscaia está regularmente inscrita no CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná), mas não possui RQE (Registro de Qualificação de Especialista) em dermatologia. A informação foi confirmada pelo UOL pela SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia) e também pelo CRM paranaense.

Médica já foi denunciada por se autointitular dermatologista. O CRM-PR explicou que Biscaia pode exercer a medicina "em sua totalidade", mas "não pode anunciar ser especialista em uma área se não tiver a titulação naquela especialidade". Por esse motivo, a profissional "já havia sido denunciada e julgada anteriormente por anunciar indevidamente a especialidade", ou seja, por se apresentar como dermatologista.

SBD destacou a necessidade do paciente checar se o profissional está devidamente registrado. Para obter um RQE, o profissional de medicina precisa ter concluído residência na área pretendida para atuação ou ser aprovado na prova de título de especialista da AMB (Associação Médica Brasileira). Na dermatologia, o exame é realizado anualmente pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e o registro é obrigatório para o médico divulgar a especialidade em receituários, cartões e quaisquer veículos de publicidade e propaganda médicas.

No caso de Biscaia, ela não poderia divulgar sua atuação como especialista em dermatologia por não possuir o registro. Em seu perfil no Instagram, quando mantinha ativo, a médica dizia ser "pós-graduada em dermatologia" e atuava diretamente em casos de "saúde geral, oncologia cutânea e beleza da pele". Ela excluiu o perfil após as denúncias de seus pacientes.

Carolina Biscaia exercia a profissão na Dermatto Clínica, localizada em Pato Branco, no Paraná. O UOL enviou mensagem no WhatsApp do estabelecimento e ligou, mas não obteve retorno. O advogado da médica, Valmor Antonio Weissheimer, informou que será comprovado "que não tem evidências que possam levar o órgão de classe [CRM-PR] a qualquer punição em face da profissional".

O CRM-PR instaurou sindicância de ofício para investigar as denúncias contra Carolina Biscaia. Se ficar comprovada qualquer ilegalidade médica, ela pode sofrer punições e ser processada.

Carolina Biscaia é suspeita de emitir laudos falsos de câncer de pele, segundo a polícia
Carolina Biscaia é suspeita de emitir laudos falsos de câncer de pele, segundo a polícia Imagem: Reprodução

Paciente levou 11 pontos

Pacientes que foram atendidos por Carolina Biscaia relatam prejuízos financeiros e danos emocionais. "Ela me desestabilizou e retalhou meu psicológico e o de toda a minha família", disse ao UOL uma analista administrativa, de 33 anos, que se consultou com a médica e preferiu não se identificar à reportagem.

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Logo na primeira consulta, a mulher disse ter ficado preocupada com as avaliações da profissional, que atestou manchas que poderiam ser cancerígenas.

Quando fui atendida e coloquei minha queixa, um ressecamento de pele, ela veio até mim com um dermatoscópio [instrumento para examinar a pele] e falou que eu tinha duas pintas suspeitas de melanoma, que era muito preocupante e precisava retirar naquele mesmo momento para encaminhar para a biópsia, pois tinham características de malignidade.
Analista administrativa, de 33 anos

Segundo a vítima, a médica fez a retirada da mancha e cobrou o valor de R$ 2.000, alegando que o plano de saúde não poderia cobrir o procedimento.

Cinco dias depois, a mulher conta ter recebido inúmeras mensagens e telefonemas da clínica pedindo que voltasse com urgência. Na clínica, segundo a vítima, a médica mostrou o laudo da biópsia que indicava uma "lesão agressiva". "Ela disse que entre um a dois meses eu já estaria com câncer, explicou ainda que as imagens do resultado estavam comprometidas e que precisaria repetir o processo."

A mulher passou, então, por uma nova intervenção. "Paguei mais de R$ 3 mil pelo procedimento e levei cerca de onze pontos." Só depois, a vítima pediu uma segunda opinião —e, então, constatou que os laudos que havia recebido não correspondiam à realidade. Ela buscou a polícia.

Polícia Civil identificou 22 vítimas

Caso é investigado pela Polícia Civil do Paraná
Caso é investigado pela Polícia Civil do Paraná Imagem: Divulgação
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A investigação começou depois que duas pacientes confrontaram os laudos apresentados e tiveram acesso ao verdadeiro pelo laboratório responsável pela biópsia. Elas procuraram a Polícia Civil e denunciaram a fraude.

No decorrer do procedimento, foram identificadas 22 vítimas da médica, segundo a polícia. O titular da 5ª Subdivisão de Pato Branco, Helder Andrade, abriu um inquérito para apurar o caso.

Um mandado de busca e apreensão na casa da médica foi cumprido no dia 26 de fevereiro. Foi apreendida uma grande quantidade de laudos, encaminhados para a perícia, na tentativa de descobrir se eram falsos. A polícia também apreendeu computadores, celulares e documentos.

A médica ainda não foi ouvida, porque, a cada dia que passa, novas vítimas aparecem na delegacia. O inquérito segue no objetivo de ouvir todas as pessoas envolvidas, mas ela será a última e isso deve acontecer no final deste mês. Entendemos que ela pode responder por pelo menos três crimes: falsificação de documentos públicos, estelionato e lesão corporal.
Helder Andrade, titular da 5ª Subdivisão de Pato Branco

A defesa de uma das vítimas afirmou ter protocolado uma ação indenizatória na Justiça, para reparação pelos danos morais sofridos em razão de diagnósticos inexistentes. O advogado André Hamera acompanha as investigações e pretende entrar como assistente de acusação em eventual ação penal proposta pelo Ministério Público.

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'Estamos preparados para contestar'

A defesa da médica Carolina Biscaia afirmou que, até o momento, não existe nenhuma acusação formal contra ela. O advogado dela, Valmor Antonio Weissheimer, aguarda laudos da perícia técnica.

Sobre as possíveis ações cíveis, entendemos que não existem quaisquer provas cabais que possam induzir o juízo a julgá-las procedentes. Com relação ao CRM, iremos comprovar que não restam evidências que possam levar o órgão de classe a qualquer punição em face da profissional. Nossa cliente está calma, porque é sabedora que tudo será esclarecido no momento certo.
Valmor Weissheimer

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