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Flávia Oliveira Flávia Oliveira Sociedade
Flávia Oliveira Foto: O Globo

Encruzilhada ambiental

Passeio por praias limpas da Baía de Todos os Santos remete à Guanabara de tempos idos. E ao sonho de que ambas se salvem

Que os mais jovens perdoem a expressão antiquada, mas fazia um domingo de almanaque na Baía de Todos os Santos. Presentes estavam o sol brilhante, o céu azul, um sereno mar verde esmeralda, os amigos queridos. A meia hora do cais, na capital baiana, havia a praia de água cristalina, metro e meio de profundidade, temperatura agradável, visitantes em euforia. Inevitável lembrar-se daquela outra, não tão grande, mas igualmente exuberante, a Guanabara. É pena que só nas lembranças da infância (já distante, infelizmente) existam os banhos demorados em praias próximas e limpas da baía que beija o Rio e mais 14 vizinhos de região metropolitana.

Décadas de mau uso deixaram a Guanabara com mais fama que proveito, para usar o trocadilho de Caetano Veloso, ídolo baiano que abraçou o Rio. A adensada ocupação humana e econômica do entorno fez da baía um depósito a céu aberto de dejetos residenciais e resíduos industriais. O programa de despoluição só começou em 1994 e, segundo o próprio governo fluminense, 12 anos e US$ 760 milhões depois ainda não apresentara resultados efetivos. Até 2007, informou a Secretaria estadual do Ambiente, 85% dos habitantes de áreas próximas não tinham rede de esgoto.

A segunda fase da despoluição, de 2007 para cá, já teria levado saneamento básico a mais da metade dos 8,5 milhões de habitantes. As praias Vermelha, da Urca, do Flamengo, da Ilha de Paquetá e de Adão e Eva (em Niterói) já estariam com índices próprios para banho e atividades esportivas, segundo o Inea, órgão ambiental fluminense. Desde 2012, o fechamento de lixões fez cessar o despejo de um Maracanãzinho de chorume na baía. Onze ecobarreiras retêm quatro mil toneladas de resíduos sólidos por ano. Virão mais oito até 2016, ano dos Jogos Olímpicos do Rio, prometem as autoridades. Mas, no debate eleitoral deste 2014, a agenda da Guanabara passou batida.

Na Bahia, é crescente a preocupação com o destino das águas que pertencem ao estado e a Todos os Santos. A baía tem 1.233 quilômetros quadrados de extensão, mesma área da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Banha 17 municípios, entre eles, Salvador, Itaparica, Cachoeira e a Santo Amaro de Caetano e Maria Bethânia. Não à toa, foi escolhida sede da Amazônia Azul, nome que a Marinha deu aos 4,5 milhões de quilômetros quadrados do mar territorial brasileiro.

A Baía de Todos os Santos (TDS), a despeito dos pontos de intensa beleza e balneabilidade, sofre com poluição, falta de saneamento, desmatamento de manguezais, pesca predatória, derramamento de petróleo, vazamento de químicos e impactos de novos e grandes empreendimentos industriais. Qualquer semelhança com a Guanabara pré-derrocada não será coincidência, mas repetição dos velhos equívocos de um modelo de progresso que desprezou à sustentabilidade. Dia 11 de novembro, o Fórum Agenda Bahia vai discutir despoluição e uso das águas para transporte de passageiros e carga, nos moldes do HidroAnel, desenhado para o Rio Tietê (SP).

As duas baías podem ser gêmeas no infortúnio ou na salvação. Triste sina, se a Guanabara de hoje for a visão de futuro da baía baiana. E que alento, se a nova fase do programa de despoluição devolver o patrimônio natural fluminense, ao menos, ao estágio atual da TDS. O par de joias está no limite de um - indesejável ou almejado - Efeito Orloff, outra expressão de tempos idos que significa “eu sou você amanhã”. Qual será?

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