JOÃO PESSOA — Da varanda da Estação Cabo Branco, o mais imponente centro de cultura de João Pessoa, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o chef paraibano Onildo Rocha observava seis colegas de profissão trabalharem para servir um jantar a convidados de outros estados. O menu daquela noite era livre, desde que os participantes respeitassem uma regra: utilizar ingredientes locais.
— A Paraíba está pronta — diz Rocha, sem reservas, resumindo o atual cenário gastronômico do estado. — Temos trabalhado para inserir João Pessoa, e toda a Paraíba, na rota do turismo brasileiro, com a gastronomia. Conseguimos chegar a um ponto que dá para atrair turistas. E a escolha foi fazer isso com os produtos que são daqui, da nossa terra.
É com essa filosofia, explica Rocha, que ele toca seu restaurante, no Hotel Cabo Branco Atlântico (Avenida Cabo Branco 4.542). Inaugurado no início de 2013, o Roccia Cozinha Contemporânea tem certa influência da gastronomia francesa, afinal, Rocha é aprendiz de Laurent Suaudeau, que foi seu professor em São Paulo. Mas, o legado se limita às técnicas precisas de execução e finalização dos pratos.
Em busca de uma assinatura própria, o chef paraibano firmou parcerias com produtores locais, convenceu o ceramista Chico Ferreira a fornecer louças para o restaurante e desenvolveu um cardápio singular para recuperar sabores regionais:
— Desde pequeno fui acostumado a comer comida típica daqui. Na mesa de todo paraibano tem batata-doce, macaxeira, arroz vermelho, feijão verde. Então, são esses os ingredientes que quero usar. É assim que o prato fica autêntico — resume o chef.
Os chefs convidados para a noite têm, em comum, o apreço pelos sabores locais. Todos apostam em combinações, como o uso do cordeiro com o feijão verde, um grão que se assemelha à ervilha. Ou então associações de hortaliças locais com peixes da orla paraibana, cuja carne não é tão branca, mas têm firmeza e consistência.
Rocha gosta do arroz vermelho com camarão, queijo coalho e purê de umbu-cajá. Já Ricardo Lyra, à frente do restaurante Terraço Mediterrâneo (Avenida Olinda 167), na famosa Praia de Tambaú, encontra espaço para experimentos que criam pontes entre as cozinhas da Paraíba e da Itália.
— Sou um chef tradicional, fiel à culinária italiana. Mas o povo pede algumas misturas, então criei o nhoque de macaxeira, por exemplo, que é uma massa especial, eu mesmo faço no restaurante — conta Lyra, que também prepara capeletes de queijo coalho com limão
O resgate de receitas tradicionais passou a ser a aposta de Ana Clores. Na Anita Pâtisserie (Av. Pombal 1.668, Manaíra), casa especializada em macarons, ela precisou atender desejos de clientes e inovar: entre os 122 sabores, estão os de cajá, batata-doce e pitanga. Ana agora trabalha com geleia de mangaba.
A dupla Izadora Evelin e Adriana Miranda, no Aí Cozinha Criativa (Avenida João Maurício 581, Manaíra), também selecionou sabores locais. Um dos pratos que as duas oferecem é a carne de porco de sol, comum no interior do estado.
— Outro é o saramonete, peixe do nosso litoral, e que é comida de pescador na Paraíba. Só que na Itália, é tido como iguaria — diz Isadora.
— Todo prato nosso tem um ingrediente daqui. Quisemos abrir o restaurante com esse perfil. Nosso carro-chefe é o camarão empanado com farinha de tapioca, acompanhado do risoto de capim-santo (capim-limão) . Damos preferência para o arroz das fazendas daqui, que é o arroz castanho. Essas fazendas também produzem queijo de cabra, que está em muitos dos nossos pratos.
O arroz castanho, de que Adriana tanto gosta, é, na realidade, uma derivação do tradicional arroz vermelho. Fã declarado da especiaria, Onildo Rocha passou a fazer campanha para salvar o ingrediente, depois que soube que ele havia sido catalogado pelo Slow Food, associação internacional que protege as tradições alimentares, como um dos 25 alimentos brasileiros sob risco de desaparecer:
— O arroz vermelho ainda está aí, não desapareceu totalmente. É uma delícia, todo paraibano conhece e gosta, e pode ser aproveitado nos outros estados. Hoje, só é cultivado no Vale do Piancó e entrou na Arca do Slow Food por desuso — explica Rocha, que carrega a bandeira de salvação do produto. — Hoje, tem um suíço produzindo aqui no estado, e ele melhorou o arroz vermelho: é o arroz castanho. O arroz vermelho é quebradiço, terroso. O castanho é mais acabado.
Enquanto lista as razões que podem fazer da gastronomia um dos carros-chefes das opções turísticas na Paraíba — além da produção local que vem se desenvolvendo, Rocha destaca que há uma crescente demanda dos moradores por uma culinária mais elaborada — o chef resume o desafio de conquistar espaço no cenário nacional:
— Ainda se nota uma certa resistência em ver o mercado brasileiro como potencial. O paraibano está se acostumando, busca serviço exclusivo, e isso fez surgir algumas casas na cidade. Mas temos que olhar para os outros estados, incentivar o turismo na Paraíba. Enfrentamos dois desafios: convencer o paraibano da importância da boa gastronomia, e mostrar à alta gastronomia que a Paraíba também está pronta.
Gabriel Cariello viajou a convite do Grupo Roccia