01/09/2014 12h46 - Atualizado em 01/09/2014 12h46

Casos de capelas incendiadas e cruzes de sal grosso são apurados

Sete capelas em quatro cidades foram atacadas e destruídas.
Delegados da região suspeitam de crimes de intolerância religiosa.

Do G1 Zona da Mata

cruz de sal grosso Capela São Rafael Paula Cândido Minas Gerais (Foto: Marcelo Prudente/ Arquivo Pessoal)Cruzes de sal grosso são deixadas após destruição.
Esta foi na capela de São Rafael, em Paula Cândido
(Foto: Marcelo Prudente/ Arquivo Pessoal)

A vida mudou nas áreas rurais de quatro municípios da Zona da Mata de Minas Gerais. Neste ano, sete capelas foram destruídas por incêndio nas cidades de Paula Cândido, Senador Firmino, Brás Pires e Porto Firme, cidades localizadas a 250 quilômetros de Belo Horizonte. E o curioso é que os criminosos ainda “assinam” o ato de vandalismo com uma cruz de sal grosso nas entradas das igrejas. As evidências foram analisadas por um doutor em Ciências da Religião, Pedro Ribeiro Oliveira, que diz que a hipótese de crime por intolerância religiosa é válida,e que o fogo e o sal grosso seriam usados como purificar os lugares.

Os casos já são investigados pela Polícia Civil em três cidades. A hipótese de intolerância religiosa é a mais forte, no entanto, a dificuldade em identificar suspeitos é um complicador nas apurações.

A arquidiocese de Mariana, responsável pelas igrejas, afirmou em nota que aguarda o desenrolar da investigação. Enquanto isso, os moradores mudam a rotina e trancam os locais que costumavam ser referência das comunidades à espera da solução do caso.

Ataques e cruz de sal grosso
Em Paula Cândido foram incendiadas as capelas dos distritos de Graminha no mês de março, e Bagaceira, em maio. Elas não foram totalmente destruídas e já estão sendo reformadas, segundo relato de moradores. Os últimos casos registrados na cidade foram nas comunidades de Nossa Senhora da Vitória e do Macuco, no início de agosto.

Capela São Rafael Paula Cândido Minas Gerais (Foto: Marcelo Prudente/ Arquivo Pessoal)Após ataque na Capela de São Rafael em Paula Cândido sobraram apenas as paredes do local (Foto: Marcelo Prudente/ Arquivo Pessoal)

Os vândalos usaram uma mesa como apoio para subir na janela e entrarem na capela de São Rafael, no Macuco. “É um mistério do mal”, disse o lavrador Xisto Romualdo. “Gente não pode ser não. Gente batizada não faz um papel desses”, comentou o também lavrador José Sabino Figueiredo sobre a destruição da capela que ajudou a construir. O local era uma referência para os moradores. “A gente usava a capela para assistir missa, catequese, consultório médico também. Tudo de bom que tinha na comunidade era aqui”, acrescentou a coordenadora do Conselho Comunitário Pastoral de Macuco, Tereza Gerônimo.

Na mesma noite em que entraram na capela de São Rafael, uma hora depois, a poucos quilômetros da comunidade de Macuco, a capela de Nossa Senhora da Vitória, no povoado de Quatro Barras, também foi incendiada. Das sete imagens de santos, sobrou a de Nossa Senhora Aparecida. A mesa onde ela estava apoiada foi quase toda queimada, ficou apenas um cantinho onde a imagem estava. “Restou uma imagem para a comunidade firmar mais e acreditar na Nossa Senhora”, contou a dona de casa Maria Rita Santos.

Os reflexos do ataque deixaram os moradores apreensivos. “Não estou dormindo de noite. Estou muito preocupada ainda com o que eu vi que nunca tinha visto: o santuário nosso de rezar todo domingo e dia de semana também pegando fogo sem a gente poder salvar”, desabafou a catequista Maria da Glória Batista.

Capelinha destruída Brás Pires estrada Senador Firmino (Foto: Laís Flores/ Arquivo Pessoal)Capelinha destruída entre Brás Pires e Senador
Firmino (Foto: Laís Flores/ Arquivo Pessoal)

Além dos casos em Paula Cândido, os vândalos agiram na comunidade de Moreiras, em Brás Pires, no dia 13 de junho. O forro da capela estragou e os santos foram quebrados. Também na cidade, segundo relato de moradores, oratórios particulares que ficam na estrada foram depredados neste ano. Ainda em junho, a capela da comunidade de Guaxupé, em Senador Firmino foi atacada.

De acordo com informações da paróquia da cidade, o fogo atingiu apenas a sacristia, mas os vândalos quebraram as imagens dos santos e o sacrário e juntaram também os bancos, que são de madeira, para ver se o incêndio se alastrava mais rápido. No entanto, não deu certo. Em agosto, houve ataque em Inhambú, em Porto Firme, onde uma capela de mais de 50 anos teve parte do altar e as imagens de santos destruídas pelo fogo.

Em todos estes casos os vândalos aproveitaram que as capelas ficam localizadas em áreas afastadas, próximos de estradas e sem moradores vizinhos, o que dificulta ter uma testemunha da ação e ajuda na hora de fugir. E os autores do vandalismo deixaram como “assinatura” uma cruz de sal grosso na porta ou nas proximidades dos locais atacados.

Capela NS Vitória Paula Cândido Minas Gerais (Foto: Marcelo Prudente/ Arquivo Pessoal)Capela Nossa Senhora da Vitória, em Paula Cândido, foi incendiada em agosto (Foto: Marcelo Prudente/ Arquivo Pessoal)

Suspeita de intolerância religiosa
Três delegacias da Polícia Civil investigam os ataques às igrejas. A principal suspeita é de que casos de intolerância religiosa. No entanto, por enquanto os casos esbarram na falta de suspeitos das ações.

De acordo com o delegado de Piranga, responsável pelo caso registrado em Inhambú, Fábio Luiz Carvalho Moura de Oliveira, ainda não há suspeita de autoria do crime. Ele também acredita na hipótese de fanatismo religioso e que os incêndios tenham sido provocados por um mesmo grupo devido à proximidade dos municípios e dos sinais deixados no local. De acordo com ele, a região é a que tem uma das maiores áreas rurais do estado e as igrejinhas ficam em localidades afastadas, sem moradores por perto, o que dificulta a ação dos vândalos e a investigação da polícia.

Segundo o delegado Vinícius Batista Soranço, responsável pelas investigações em Senador Firmino e Brás Pires, já foram abertos inquéritos para apurar os incêndios nas capelas dos dois municípios, mas ainda não há suspeitos. Por serem igrejinhas que ficam afastadas é mais difícil chegar aos criminosos, já que ninguém viu nada e não há câmeras de segurança no local.

E o delegado Edvin Otto, que assumiu os casos dos ataques em Paula Cândido, destacou a importância do apoio da comunidade para identificar os criminosos. “Por conta do incêndio, não há como colher digitais. É preciso aproveitar para fazer um apelo. Se alguém tiver informação que traga até nós para que sejam tomadas as medidas cabíveis”, pediu.

Doutor em Ciências da Religião fala sobre sinais deixados
Para o Doutor em Ciências da Religião, Pedro Ribeiro Oliveira, a escolha dos criminosos em usar o fogo para destruir as capelas e deixar a cruz de sal grosso nas entradas pode ser analisada como uma referência à purificação dos locais. “Fazer uma cruz de sal junto de alguma capela, junto a um espaço qualquer, significa ‘vamos purificar’, ‘vamos afastar os maus espíritos que estavam aqui’. O que é intrigante para mim é que quem acha que em uma capelinha em que as pessoas se reúnem para rezar, para celebrar, que aquilo dali é uma coisa má, é uma coisa de espírito mau?”, argumentou.

Ele também considera que a destruição pode significar uma agressão ao catolicismo. “São sinais de dizer: ‘quem faz aquilo que meu Deus proíbe está errado e, portanto, eu tenho que punir’. Ora, isso é intolerância. Isso vai contra todo pensamento da tolerância religiosa, da aceitação do diferente, do sadio diálogo entre as religiões”, afirmou Pedro Ribeiro.

Em nota, o departamento Arquidiocesano de Comunicação informou que Arquidiocese de Mariana tem conhecimento dos casos de vandalismo em capelas rurais nos municípios da Zona da Mata. O texto diz ainda que a Arquidiocese está acompanhando a situação junto à população local e que aguarda os resultados das investigações que ainda estão em curso.

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