Vale do Araguaia busca saída para seu futuro

Escoar a produção de grãos é o grande desafio para agricultores no Norte do País

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Por André Borges
3 min de leitura

 A poeira toma conta do Vale do Araguaia. Ganha impulso nas rodas dos caminhões que avançam pela BR-158 e se espalha em nevoeiro. Quando o pó assenta, fica no chão o rastro de grãos que as caçambas despejaram pelo caminho.

BR-158, que deveria estar pronta há 30 anos, é usada no transporte de grãos e gado Foto: André Borges/Estadão

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Será assim até o fim da viagem, quando caminhões terão perdido 5% de suas cargas nas beiras da rodovia. Daqui a dois meses, quando as chuvas chegarem, muitos desses grãos ganharão vida, e logo vai ser possível ver brotos de soja e milho crescendo estrada adentro. É a prova cabal do vigor da terra da região. E um retrato bem acabado do desperdício histórico causado por uma estrada que deveria estar pronta há mais de 30 anos. Essa promessa nunca vingou.

Durante quatro dias, o Estado percorreu a rota de escoamento do Vale do Araguaia. A partir de Água Boa, em Mato Grosso, a reportagem andou 970 quilômetros da BR-158 até chegar a Redenção, no Pará. Desse ponto, seguiu mais 360 km pela BR-155 para alcançar Marabá (PA). 

Essa região, que engloba o nordeste de Mato Grosso e o sul do Pará, forma hoje o arco de produção de grãos e pecuária mais promissor do País. A precariedade e os riscos encontrados a cada quilômetro dessa viagem, no entanto, parecem ignorar o papel central que essas estradas jogam no quebra-cabeça logístico do País. 

A rota do Araguaia, formada pelas BRs 158 e 155, é hoje o elo que falta para viabilizar um desejo antigo de integração nacional: ter rodovia, ferrovia e hidrovia trabalhando juntos. Nessa engrenagem, cargas que saem da BR-158 podem acessar os trilhos da Ferrovia Norte-Sul, em Colinas do Tocantins (TO), num trecho em que os trilhos já estão prontos para carregar grãos até os portos do Norte, como Itaqui (MA). 

O traçado das estradas também viabiliza a ligação com a Hidrovia do Tocantins, a partir de Marabá, onde barcaças poderão levar a carga até o porto de Vila do Conde (PA). Para que esse plano intermodal funcione efetivamente, no entanto, é preciso que, antes, existam rodovias minimamente trafegáveis.

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Nos 1,3 mil quilômetros de estrada percorridos pela reportagem, mais de 200 km ainda são de terra, entre contornos para desviar áreas indígenas e trechos nunca pavimentados. Outros 250 km de asfalto estão em condições intransitáveis, entre Redenção e Eldorados dos Carajás (PA). Na região de Santana do Araguaia (PA), pontes de ferro apodrecidas rangem alto ao suportar o peso de caminhões abarrotados de grãos. Itens básicos, como sinalização e acostamento, são tratados como artigos de luxo, restritos a poucos trechos das estradas.

Em cima de tanta precariedade, 800 mil toneladas de grãos foram colhidas no Vale do Araguaia na última safra de 2013. Parte dessa carga subiu pela Norte-Sul, com a bússola apontada para os portos do Norte. A maioria dos caminhoneiros, no entanto, preferiu não bancar o risco e seguiu para o Sul, aos terminais de Santos (SP) e Paranaguá (PR), em viagens de 2 mil a 2,3 mil km. 

Amostra. Neste ano, pelo menos 1,5 milhão de toneladas de grãos serão colhidas na região, estima o Movimento Pró-Logística, ligado à Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja). Esse desempenho é apenas uma amostra do que está por vir nos próximos anos, por conta de investimentos que já se alastram pela região. 

Do lado de Mato Grosso, há terras disponíveis para produzir 10 milhões de toneladas por ano. No sul do Pará, a previsão é de 8 milhões de toneladas. Em pouco tempo, o Vale do Araguaia vai produzir 18 milhões de toneladas de grãos, mais de dez vezes o volume atual. 

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que, com a conclusão das rodovias e a abertura da Hidrovia do Tocantins, haveria uma redução R$ 788 milhões por ano no custo logístico da região a partir de 2020. “Resolvida a situação da BR-163, que já é alvo de concessões, a nossa maior preocupação logística hoje é a BR-158, por conta do potencial que essa região tem”, diz Edeon Vaz, presidente do Movimento Pro-Logística. 

Essa relevância não é ignorada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), garante o diretor-geral, general Jorge Fraxe. A autarquia tem ações de manutenção e pavimentação em alguns pontos das estradas. “Sabemos da importância da rota para o escoamento e vamos concluir essas obras”, diz Fraxe.

A promessa é recebida com ceticismo por produtores como Anísio Vilela Junqueira Neto, que vive há 37 anos na região de Vila Rica (MT), próximo à divisa com o Pará. “Quando cheguei aqui, em 1977, ouvi que tudo seria asfaltado até 1980. Estou esperando até hoje”, lembra.

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Neste ano, a BR-158 completa 70 anos, desde que foi idealizada como parte do plano de interiorização do País pelo presidente Getúlio Vargas, em 1944. A abertura da estrada, porém, só ocorreria efetivamente nos idos de 1970. Trechos inicialmente previstos, como a ligação entre Redenção e Altamira (PA), nunca saíram do papel. Seu desenho permanece em mutação até hoje.