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José Magalhães: "Haverá mulheres avantajadas"

Deputado nega ser um Henry Miller, mas escreveu um livro erótico sobre um português na Bahia, onde esteve a viver.
Leonardo Ralha 14 de Dezembro de 2014 às 14:02
José Magalhães voltou ao Parlamento no final de 2013
José Magalhães voltou ao Parlamento no final de 2013 FOTO: Bruno Colaço

É um constitucionalista de 62 anos, e esteve a viver na Bahia, onde tem uma casa. O deputado socialista José Magalhães lança agora o primeiro romance, ‘Homem de Leis Perdido nos Trópicos Procura Senhora Honesta’, sobre amor e corrupção do outro lado do Atlântico.

Teme que, depois de ler o seu livro, Marcelo Rebelo de Sousa o acuse de andar a imaginar senhoras avantajadas no Parlamento?

Seria uma óptima publicidade. O livro passa-se no Brasil, em Ilhéus, no estado da Baía, e a Costa do Cacau é um sítio fantástico, que tem gente tão fantástica quanto a beleza natural. Mulheres de fala doce e arrastada. Seguramente haverá muitas mulheres avantajadas no sentido brejeiro que ele utiliza. E ele conhece muito bem a região, pois no passado, pelo menos, passava o fim de ano a poucos quilómetros de Ilhéus.

Com a família Espírito Santo…

Exacto.

Algum parágrafo deste livro foi escrito durante uma sessão parlamentar?

Não, porque quando baixa o santo – como dizem os brasileiros -, ou seja, quando temos vontade de escrever, temos de ter em conta o sítio onde estamos. Mas garanto-lhe que houve parágrafos escritos na paragem de autocarro, por exemplo, ou dentro do elétrico 28, utilizando as facilidades dos smartphones, que nos permitem com um toque de canetinha compor parágrafos com grande facilidade e mandá-los por correio electrónico para se juntarem aos outros papiros onde registámos os pensamentos anteriores. Há uma facilidade de verter aquilo que estamos a pensar ou a construir mentalmente em suportes ou até ditá-los para um aparelhinho que traduz para texto, o que continuo a considerar uma espécie de vudu, uma vez que comecei a fazer isso no início do século e hoje melhorámos imenso essa capacidade.

O que leva um político e constitucionalista a estrear-se no romance depois dos 60 anos?

Talvez o facto de não havermos um esgotamento das nossas dimensões humanas. Não somos aquilo que fazemos; aquilo que fazemos é talvez parte daquilo que somos. E o facto de me recusar a enxotar essa dimensão da vida que é a possibilidade de criação literária, que é o reino da liberdade, é positivo. Porque nos devemos automutilar em relação a uma capacidade que muitas vezes temos, e que se não temos, temos o direito a experimentar para verificar se gostamos e sabemos fazer?

Já tinha adiado esta estreia?

Já. Talvez por um complexo que temos quando lemos grandes autores. Quando nos começamos a medir com eles, achamo-nos uma coisa infinitesimal, pequenas formigas que não têm nada de novo a dizer nem sequer nada de velho para repetir, porque está tudo dito. Quando olho para uma Agustina não me dá só um sentido de humildade e de aprendizagem, como também algum complexo. Mas isso não deve inibir-nos, porque cada ser humano tem direito à expressão e uma das formas de expressão mais livres é começar a imaginar coisas. Para estudar um sonho do protagonista, num determinado momento do romance, sobre o canto nono de ‘Os Lusíadas’, na Ilha dos Amores, rodeado de ninfas – quem tenha tido a experiência traumática de durante a ditadura estudar ‘Os Lusíadas’ lembra-se que o canto nono era proibido - descobri um autor português, o Paulo Borges, que cientificamente entende que o canto nono tem sinais do tantrismo, e designadamente do sexo tântrico, que Camões conheceu provavelmente enquanto viajante na zona hindu e oriental. O processo de escrita pode ser uma seca enorme e um conjunto de barbaridades, ou um processo criativo em que somos obrigados a mobilizar várias capacidades para dialogar com outros, rever os clássicos e para revisitar esta ou aquela coisa. Ou seja, é um processo criativo.

Tem algum desses livros incompleto, guardado numa gaveta?

Muitos. Uma das coisas interessantes nestes processos de escrita criativa é que nesse processo de vagabundagem, de visita e revisita aos clássicos, fixamo-nos em pontos interessantes. Gosto de histórias policiais, gosto do cinema série B de Hollywood, com os seus ambientes turbulentos e misteriosos, gosto das coisas orientais, gosto das coisas portuguesas no sentido mais retinto e escondido, que deixa fascinado o estrangeiro.

Como por exemplo?

A forma como em Portugal se passa rapidamente do século XXI ao século XVIII, intacto nas suas dimensões telúricas de beleza natural e impoluta. E depois a toda uma espécie de viagem de sabores em que nós podemos oferecer enormes prazeres completamente castos, mas que não são fáceis. Nós julgamo-los fáceis porque estamos habituados, mas quando estamos no estrangeiro verificamos que não só esses prazeres são invulgares como são muito caros. Temos coisas bastante preciosas, que por habituação ou familiaridade excessiva não valorizamos. Mas temos uma quantidade enorme de coisas de valor - hoje em dia, pois no futuro sou um pouco pessimista - perfeitamente insuscetível de ser traduzida em dinheiro sequer. O livro é sobretudo sobre amor, sobre a vida e o risco da distração em relação ao fio muito pequenino que nos separa do nada. E a preparação do escrito implicou uma atenção mais cuidadosa em relação a música popular brasileira, por exemplo.

É muito citada.

O livro está escrito em vários níveis. Talvez haja a voz de Deus, o narrador, alguém que sabe tudo, seguramente a voz do personagem principal e dos outros, mas há também, sobretudo nas notas de pé de página, o enviar do leitor ou da leitora para ambientes, ou seja, músicas ou filmes ou circunstâncias. Espalhei pela internet coisas interessantes que podem ser vistas ou não, mas estão lá as setas que permitem encontrar dimensões adicionais, fazendo com que o livro não seja só o que está nas mãos, mas sim o que está nas mãos mais aquilo para que remete. Quem ler o livro a comer chocolate amargo, típico da Bahia, terá uma dimensão que o livro não lhe dá. Mas quem ouvir as músicas que são citadas nos momentos apropriados terá uma espécie de reconstituição em duas dimensões de alguma coisa que, completada com a imaginação, fica em 3D. Isso é uma coisa muito interessante, que não pude explorar em dimensão, pois nem tenho a carpintaria bastante para fazer um edifício grande e complexo, mas quis ensaiar isso, porque também faz parte do futuro. Não estamos circunscritos a escrever, podendo escrever e narrar oralmente ou visualmente, e remetendo as pessoas para uma espécie de outro meio que já não é o multimédia de que falávamos nos anos 80 e 90. É uma coisa muito mais complexa por causa da cloud e por causa da velocidade com que temos os gadgets que nos permitem ler isto em papel, ler em modo electrónico, passar de uma coisa à outra, termos leituras sincronizadas, pôr uma voz amiga a ler, ou lermos nós próprios e oferecermos. Todo esse tipo de trocas e transfigurações do material criativo permitem às pessoas novas formas de expressão.

Portanto, numa versão e-book o livro pode ser muito enriquecido?

E pode ser enriquecido pelo próprio. Se andei pela Costa do Cacau, porque não posso aditar as minhas fotografias de lugares de que se fala no livro, como a Lagoa Encantada, que fica a poucos quilómetros da cidade de Ilhéus e está num sítio totalmente deslumbrante? Mas deslumbrante é apenas um adjetivo. Não conseguimos transmitir uma reconstituição exata do local nem dar às pessoas a sensação que se tem quando se desembarca ou se vê do alto a lagoa de seis quilómetros e tal de perímetro, onde subitamente vemos ilhas vivas a flutuarem, compostas de plantas, animais e sons.

Além de uma imagem, também um cheiro ou um som pode valer mil palavras?

Sim. E podemos fazer isso a título gratuito. São aplicações que podemos utilizar para criar a nossa versão do livro, com as nossas fotografias, os nossos filmes, as entrevistas de pessoas, os pontos de vista contraditórios. Ou seja, colocar camadas de comentário, de informação ou até de narração divergente. Isso desperta as pessoas para um direito pouco falado, e que foi objeto de uma elitização terrível, que é o direito a escrever. Algumas das pessoas com histórias mais interessantes para contar são aquelas de quem diríamos que aparentemente não tinham história.

Além de ser um homem de leis, de ter mais ou menos a mesma idade e de possuir uma casa na Bahia, o que é que a personagem principal tem mais em comum consigo?

Seguramente, a vivência da idade, a análise aos processos e vicissitudes de vida - hoje em dia, a experiência de ser roubado é terrível, sobretudo porque se formos roubados por um igual podemos retaliar, mas se formos roubados pelo Estado a nossa capacidade de retaliar é diminuta.

Podemo-nos manifestar.

Podemos certamente, mas o problema é darem-nos outra vez a nossa felicidade, a situação de segurança que perdemos. O que se perdeu não é recuperável, nem indemnizável sequer. A sensação de perda e de luto é diferente quando temos 20 anos do que quando temos 50 ou 60. Essa idade é terrível, porque é uma idade de transição em que a pessoa se torna não empregável, segundo determinado cânone neoliberal. Sente-se na pele. Não é uma fantasia ou um problema que se resolva com pílulas. Além de que as vicissitudes da vida - um acidente, uma desgraça ou uma perda humana - podem subitamente amolgar-nos de uma forma brutal e cruel, para a qual podemos não estar preparados. Nunca estamos preparados para determinadas perdas, mas o facto de estarmos num contexto em que isso acontece muito chama a atenção para a importância de viver e de sobreviver.

Em 2011, depois de sair do Governo, esteve a viver na Bahia, onde já tinha comprado casa.

Na cidade de Ilhéus, precisamente.

O que lá foi encontrar?

Encontrei o bom e o mau. Encontrei uma zona pujante do ponto de vista da Natureza, absolutamente fascinante, porque também nasci nos trópicos, em Angola. Encontrei gente ótima e gente terrivelmente má. Tropecei, também eu, num malandro baiano. Conheci o sistema judicial e um mundo onde as coisas são resolvidas à lei da bala - sem lei, pura e simplesmente -, e consegui circular por esse labirinto com ciladas e escapar vivo, o que devo dizer que não é uma façanha pequena. Por outro lado, conheci como é que no século XXI o mundo do cacau descrito pelo escritor Jorge Amado, nos seus romances mais famosos, sobrevive nas dimensões mais desumanas. Não há outra maneira de colher cacau que não seja plantando, acompanhando, colhendo na altura própria, abrindo, secando, transportando e vendendo. E nesse circuito há uma série de ciladas que podem ocorrer da forma mais brutal. Quem rouba morre, quem faz batota é punido de uma forma desproporcionada, e quem não acate essa lei não pode sobreviver como fazendeiro. Chama-se vender a alma ao cacau.

Nada mudou na Bahia que era dos coronéis?

Mudaram algumas coisas. Coloca-se uma antena rural, conquista-se conetividade, com telefonia celular, telefonia equiparada à fixa e internet de banda larga. É absolutamente possível estar no meio da Mata Atlântica, rodeado dos bichos mais extraordinários, alguns dos quais não gostam mesmo de si e não se vêem, e ao mesmo tempo aceder a bibliotecas digitais. Não me desliguei de nada. Às seis e meia da manhã lia as notícias de Lisboa, mais cedo do que as leio aqui em Portugal.

Posso presumir que Jorge Amado sempre foi um escritor de mesa de cabeceira para si?

Desde muito miúdo, tal como Dostoievsky, Miguel Torga ou Almeida Garrett. Tive o privilégio de viver no Porto, a partir dos nove anos, onde tinha a biblioteca de São Lázaro, absolutamente fenomenal, e ia ler tudo o que me aparecia. E em casa tinha também, graças ao meu avô, uma biblioteca fantástica que ele comprara com a ideia de que os netos haviam de ler muito, o que foi verdade.

Jorge Amado foi importante para as suas opções ideológicas?

Ajudou, obviamente. Quando se descreve a saga do PCdoB e as aventuras de Luiz Carlos Prestes, e outras aventuras que implicam luta política pela liberdade, isso é marcante. Mostra-nos, desde logo, que há uma alternativa e que é possível resistir. E isto é uma pedagogia de raiz, que faz bem.

‘Homem de Leis Perdido nos Trópicos Procura Senhora Honesta’ está a ser editado por Zita Seabra, sua ex-camarada no PCP. Se há 40 anos alguém vos dissesse isto desatariam à gargalhada ou pensariam que a pessoa estava maluca?

Em 40 anos tudo mudou tanto - embora não tanto quanto se julgou que mudaria em 1989, quando caiu o Muro de Berlim - que é perfeitamente óbvio que a reação seria diferente. Não que não houvesse nesses anos o culto da leitura e da criação literária. Havia, e até no sentido de promoção da leitura e do direito de expressão, como componente da luta pela felicidade, como completude da vivência humana. A vida era a política, passava pela política, podia exigir sacrifício da liberdade e até da vida, mas também implicava uma dimensão lúdica, de fruição da cultura, que devia ser colocada ao alcance de todos em vez de ser elitizada. Essa componente de democratização e de apropriação o mais alargada possível dos bens culturais é comum às várias culturas da cultura de esquerda. E não só. Essa dimensão é partilhada hoje por muitas famílias políticas. Aliás, não conheço nenhuma em Portugal que defenda um conceito estritamente elitista da cultura.

Tendo em conta que o seu livro já foi referido como o romance erótico de José Magalhães, teme que as pessoas possam ficar desiludidas?

Com quê?

Por este ser mais um romance sobre amor do que sobre sexo.

Se o debate for sobre esse ponto, espero que o livro seja o mais polémico possível. Desligar o amor do erotismo é possível, mas suprimir o erotismo como forma de expressão humana é puramente castrante. É uma vida desprovida de uma das suas dimensões relevantes e não contam comigo para esse peditório. Também não sou o [Michel] Houellebecq nem o Henry Miller.

Nem um Giscard d’Estaing?

Está a falar do livro sobre a princesa? Parece ser mais uma evocação petulante e gagá de um sonho masturbatório do que uma realidade. Não quis reeditar qualquer evocação gagá da fúria erótica dos giscards nossos de cada dia nem os sonhos houellebecquianos das 400 maneiras de fazer sexo. Ou as 50 sombras de Grey. Não é difícil, porque a carpintaria que isso exige está ao alcance de todos.

É como a diferença entre o cinema hardcore e um filme erótico?

Apenas achei que não queria fazer um livro houellebecquiano, que pudesse ser reduzido a isso, quando tem divagações sobre a corrupção, o peso que esta tem nas sociedades e o dilema de consciência de quem toma conhecimento de um ato corrupto. O herói português vê-se na posse de uma pen carregada de informações sobre corruptos, envolvendo a prefeitura e outros serviços públicos, sendo colocado perante um dilema: vai divulgar isso, sendo certo que existe uma lei, que é a lei da omertà, do silêncio, que quando violada é sancionada com uma bala? O que me constitui em obrigado a ser a alavanca da denúncia deste esquema. E o herói, um tanto cobardemente, resolve ficar de boca fechada e delegar nos irmãos brasileiros o combate pela transparência e pela limpeza. Mas é um dilema terrível, porque isso pressupõe da parte do Estado um conjunto de formas de proteção a quem diz o que sabe. Não podemos pedir às pessoas que sejam heróis, que se suicidem, em nome de um princípio tão importante quanto este, mas apesar de tudo não superior ao da vida humana. O livro fala disso também, mas como não é um manifesto político ou uma história de proveito e exemplo, ou uma fábula que tem obrigatoriamente uma conclusão moral, não me senti obrigado a desenvolver capítulos como se fossem os Dez Mandamentos.

A certo momento é referido um Jacinto Leite Capelo Rego. É o famoso financiador do CDS/PP?

Neste livro não se refere o Jacinto Leite Capelo Rego [N.R. Aparece esse nome, como sendo um advogado brasileiro, na página 74]. Refere-se uma parelha de detetives, o Aloísio e o Ulianov, que tem a ver com um facto que me ocorreu em Moscovo, no ano da graça de 1987, quando sendo mais novo e porventura mais parecido com o Vladimir Ilyich Ulianov, tinha velhinhas na rua que apontam para mim, olhavam atentamente, e depois gritavam: "Lenine!" [dito com sotaque russo] E o meu herói, tal como eu, aliás, nunca o desmentia. Obviamente que não podia ser Lenine, por razões cronológicas, mas achava até curioso. No livro é um conselheiro de detetive octogenário, e conheci um assim, em Ilhéus, que se intitulava barão e que é absolutamente delirante e magnífico. Um geronte fantástico, com todas as vantagens que uma pessoa de idade avançada e uma vida muito rica têm quando mantêm a sua mentalidade e se comportam de maneira correspondente. É um geronte que é um misto de Mário Soares e de um homem de camisa havaiana, adaptado aos trópicos.

Se o romance for parar às livrarias de Ilhéus, muita gente irá reconhecer-se nas personagens?

O livro vai parar às livrarias de Ilhéus e hei-de ir apresentá-lo em vários sítios do Brasil. Aquilo é uma aldeia em que o número de pessoas que lêem é pequeno e não há uma livraria digna desse nome ou uma biblioteca pública, mas a informação circula muito depressa. Se alguém disser que a família A está caricaturada, alguns dos malandros baianos caricaturados no livro andarão com comichões durante uns tempos. Mas talvez comprem a edição inteira.

Diz o seu narrador, a certo momento: "Os portugueses devem sempre ter em conta que voam livres em Portugal passarões inchados pela mais indecente corrupção depois de sobreviverem a megaprocessos que prescrevem ou dão mega-nadas. Os mais importantes são, obviamente, os megaprocessos que nunca acontecem, sabe-se lá porquê." O timing de lançamento do seu livro é o ideal?

É o timing que eu tinha previsto, independentemente dos acontecimentos que enchem as primeiras páginas dos jornais. E dizem respeito a um problema seriíssimo na sociedade portuguesa, como noutras. Tudo isto foi escrito, como calcula, há uma quantidade de tempo e não podendo prever o cenário A, B, C ou D. Se quiser, o livro é uma espécie de apologia de certos valores que considero permanentes e importantes: a limpeza das coisas e a igualdade de tratamento. Bons princípios republicanos e decentes, que é necessário fazer acatar. Acho que não é pouco importante, e provavelmente pode ser útil, usar a arma da ficção para discutir esta matéria. O real é muito rico e não se esgota na narrativa circunstancial ou na investigação processual penal.

Sente-se tentado a fazer ficção com tudo aquilo que testemunhou na vida política?

Tenho alguma hesitação nessa matéria, porque não me parece particularmente apaixonante contar hoje a vida do deputado que tem a sua ‘Queda de um Anjo’. Parece-me mais interessante - e talvez tenha sido essa a razão que me levou a fazer esta tentativa - colocar as pessoas fora do contexto habitual e ver como é que reagem. Alguém que perdeu o universo em que vivia e que tem de se habituar a um mundo completamente diferente, com a sensação de que não sabe muito bem o que há-de fazer, porque essa situação corresponde à vida de muitos homens e de mulheres em todo o Mundo. Era-me muito mais fácil contar uma história de amor nos corredores de São Bento, entre deputados de partidos diferentes, para ser uma coisa mais emocionante…

Já terá acontecido.

Podíamos pôr um deputado a olhar para uma deputada no Hemiciclo. Era possível, mas não me pareceu particularmente interessante. Ou descrever o mundo dos tais deputados que estão no plenário, idiotas, completamente indignos ou sem qualquer resquício de inteligência, a verem as tais senhoras avantajadas. Acho isso insultuoso, porque batalhei muito para que o Parlamento se tornasse digital e os deputados usassem a ponte da tecnologia para contactarem e serem contactados pelos eleitores. Quando se está no plenário a fazer uma actualização no Facebook, reflectindo alguma coisa do debate, isso só pode indignar gente que acha que o Facebook é para namorar, como dizia o Miguel Sousa Tavares – que não tem a mais vaga ideia do que é o Facebook –, e o professor [Marcelo], que deve ter importado de alguém a ideia de que se trata de um site de encontros. É preciso dar-lhe uma lista de sites que sejam mesmo de encontros, de adultério, para ele perceber a diferença. Quando o deputado usa o Facebook para comentar com uma eleitora aquilo que se está a passar no plenário, ou outra coisa qualquer, todos temos de partilhar um certo nível de atenção quanto o que se passar no plenário, ou intervir, se for necessário, e simultaneamente falar com quem está a falar connosco. Não há nada de anormal, mas tem de se explicar isso às pessoas, designadamente aos jovens, para que não julguem que o plenário é uma sala em que o senhor professor, que é o primeiro-ministro, está a dar uma aula e os putos estão a mandar bocas e a atirar borrachas uns aos outros.

Manuel Alegre foi visitar José Sócrates a Évora e deixou-lhe um livro. Planeia fazer o mesmo?

As razões pelas quais saí de Portugal estão relacionadas com a situação do PS em Abril de 2011. Isso é suficientemente irrelevante para que eu não fale no tema, mas suficientemente relevante para que aja de forma coerente.

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