Por Rafael Bitencourt, G1 Piracicaba e Região


Em 1964, o XV de Piracicaba, um dos símbolos da cidade que completou 250 anos neste mês, realizou um feito histórico. Viajou para a Bolívia, para uma série de jogos e, logo depois, voou para a Europa e a Ásia para uma estadia de dois meses em países como a ex-União Soviética, Dinamarca, Suécia, Polônia e Alemanha.

“Na época, times como o Santos e o São Paulo fizeram viagens internacionais, mas que duravam cerca de quinze dias. Ficar dois meses em continentes desconhecidos, somente o XV mesmo”, afirmou o ex-lateral direito Eduardo Mastrodi, conhecido como Kiki, hoje as 75 anos, que participou da viagem.

Delegação do XV de Piracicaba no Hotel em La Paz, na Bolívia — Foto: Acervo pessoal/Eduardo Mastrodi

O ex-jogador lembra de alguns dos problemas enfrentados. “Fazíamos muitas viagens de trem, onde as revistas da polícia eram freqüentes e ninguém escapava. Além disso, como muitas vezes o tempo entre um jogo e outro era muito pequeno, nossa alimentação era à base de lanches, servidos no próprio trem”, se lembra.

Jornal la Nacion, da Bolívia, destaca jogo do XV de Piracicaba no país — Foto: Acervo pessoal/Eduardo Mastrodi

Bolívia

A delegação do XV que participou da excursão à Bolívia foi formada pelo presidente Romeu Ítalo Rípoli, os diretores Benedito Rebelo e Salim Kraide, o médico José Eduardo Mello Ayres e o jornalista Sebastião Ferraz. O técnico era Manoel Bortoloti e o massagista, Osvaldo dos Santos. O grupo de jogadores tinha Nino, Orlando, Jeco, Cardinali, Dema, Maneca, Dorival, Valter, Ladeira, Warner, Rafael, Chiquinho, Biguá, Osvaldinho, Valdir e Kiki.

O primeiro jogo na Bolívia aconteceu no dia 2 de fevereiro, em La Paz. O XV empatou com o Bolivar F.C. pelo placar de 2 a 2. Três dias depois, as equipes voltaram a se enfrentar, dessa vez, com vitória quinzista por 3 a 1. A visita alvinegra à Bolívia foi encerrada na noite de 6 de fevereiro, na cidade de Cochabamba, com derrota por 1 a 0 para o Aurora F.C.

Presidente do XV de Piracicaba é recebido pelo Presidente da Bolívia — Foto: Acervo Rocha Netto - CCMW/IEP

O saldo foi de uma vitória, um empate e uma derrota. A temida altitude de La Paz, de 3.660 metros, não atrapalhou os quinzistas. “Hoje a mídia fala muito da altitude. Mas para nós não foi um problema, jogamos naturalmente. Eu não senti nada”, afirma Kiki.

Europa e Ásia

No dia 15 de abril, o XV iniciou nova excursão internacional, agora rumo à Europa e à Ásia, e passou por Suécia, Polônia, Alemanha (Ocidental e Oriental, divisão política da época), Dinamarca e as então repúblicas soviéticas da Rússia, Ucrânia, Moldávia, Cazaquistão e Uzbequistão. A delegação reuniu o presidente Rípoli, os diretores Francisco Abdalla, Isael Perina e Thomaz Caetano Rípoli, além do massagista Osvaldinho, o técnico Manoel Bortoloti e os jogadores Nino, Orlando, Orlando Maia, Cardinali, Dorival, Bastos, Kiki, Dema, Biguá, Osvaldinho, Valter, Neguito, Maneca, Warner, Nilo, Rafael, Valdir, Varley e Ladeira.

Após estrear como profissional em 1961, aos 16 anos, e passar todo o ano de 1962 no elenco principal, Hélio Sacconi serviu o Exército, no Rio de Janeiro, em 63 e retornou ao XV no ano seguinte. Poucos dias, antes do embarque, ele foi convidado a se juntar à delegação na viagem, já que um dos goleiros, Nino, a princípio não queria ir. Hélio seria o reserva de Orlando, então goleiro titular.

Manoel Bortolotti foi o técnico do XV de Piracicaba durante as viagens internacionais — Foto: Acervo Rocha Netto - CCMW/IEP

“Fui correndo para São Paulo fazer passaporte e fui a um alfaiate tirar as medidas para fazer o terno da viagem. Mas o Nino voltou atrás e acabei não viajando”, recorda o hoje professor de Educação Física, que tem 72 anos.

“Mas eu seria útil, caso o XV optasse por levar três goleiros. Isso porque o Orlando teve problemas de saúde e o Nino também chegou a se machucar, o que fez com que o Warner, que era centroavante, tivesse que jogar improvisado no gol em determinado momento”, diz Hélio.

Ex-União Soviética

As partidas em solos soviéticos aconteceram entre os dias 19 de abril e 2 de maio. O time piracicabano obteve quatro derrotas, entre elas, para as equipes de Pakhtakov (1 a 0), no Uzbequistão; contra o Kairat, no Cazaquistão (3 a 1); contra a seleção da Moldávia, por 4 a 2. O único empate, sem gols, foi na Ucrânia, contra o Tchernomortz.

No dia 23, apesar da derrota por 2 a 0, a partida ficou para história. O alvinegro enfrentou a Seleção Soviética de Lev Yashin, considerado um dos melhores goleiros da história e conhecido como “Aranha Negra” devido ao seu uniforme todo preto.

Delegação do XV de Piracicaba chega a ex-União Soviética para série de jogos — Foto: Acervo Rocha Netto - CCMW/IEP

Kiki lembra-se dos problemas com o frio. “Jogamos com temperaturas próximas de zero grau, o que, para nós, era muito frio. Além disso, não tínhamos uniforme de manga comprida. Jogávamos com camisas de manga curta, que eram lavadas logo após do jogo e, muitas vezes, iam secando no trem para a próxima partida”, recorda.

Empates na Polônia e derrota na Dinamarca

Na Polônia, o XV enfrentou seleções entre os dias 5 e 9 de maio. Foram dois encontros contra a Seleção Polonesa, com dois empates (1 a 1 e 0 a 0). Contra a Seleção da Pomerânia, novo empate por 0 a 0.

Na Dinamarca, no dia 12 de maio, o XV perdeu, em Copenhaguen, para o combinado Danish-Staevenet por 2 a 0.

Lance do jogo entre o XV de Piracicaba e o Danish-Staevenet — Foto: Acervo Rocha Netto - CCMW/IEP

Alemanha e Suécia

O XV partiu para a então Alemanha Oriental, onde venceu o Motor-Jena por 2 a 1 e perdeu para o Wismuth por 3 a 1. Na Alemanha Ocidental foram três jogos, com derrotas para o Karlsruhle por 3 a 0 e para o Hannover 66 por 2 a 0. Os representantes piracicabanos venceram o Munchen 1860 (2 a 0).

Na Suécia, em partidas realizadas entre os dias 2 e 11 de junho, com temperaturas que chegavam a 5 graus, o XV obteve um empate e três vitórias com goleadas. Contra o Gaevle I.F. o placar terminou em 5 a 5. O Ostersund foi vencido por 8 a 2 e a Seleção do Norte foi derrotada por 4 a 1. A excursão quinzista pela Europa e pela Ásia foi encerrada com vitória sobre o Garkner por 5 a 0.

Elenco do XV de Piracicaba na Alemanha Oriental — Foto: Acervo pessoal/Eduardo Mastrodi

No total, o XV de Piracicaba disputou 20 jogos, com 5 vitórias, 5 empates e 10 derrotas nas partidas na Europa e Ásia. Foram 32 gols assinalados e 37 sofridos.

“Foi uma experiência muito boa. Muitos jogadores de times grandes nunca viajaram à Europa nem fizeram partidas internacionais. E o XV fez uma longa excursão em 1964. Isso é motivo de orgulho para nós, ex-jogadores, e para Piracicaba”, completa Kiki.

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