Único romance assinado por Nelson Rodrigues chega hoje às livrarias portuguesas

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Porto Canal com Lusa

Lisboa, 07 jul (Lusa) - O único romance assinado por Nelson Rodrigues é editado hoje pela primeira vez em Portugal, pela Tinta-da-China, que continua assim a divulgação da obra deste escritor brasileiro, que conta já com crónicas, memórias e contos publicados.

"O Casamento", que chega hoje às livrarias portuguesas, não é apenas o único romance que Nelson Rodrigues escreveu em nome próprio, é um romance escrito por encomenda, em dois meses, e que acabou confiscado pela ditadura brasileira, por constituir um "atentado contra a organização da família".

Passado nas 24 horas que antecedem o casamento de Glorinha, menina dos olhos de seu pai, o romance concentra todas "as obsessões que tanto mitificaram como amaldiçoaram o autor: adultério, incesto, moralismo, sexo e morte", segundo a editora.

O pai de Glorinha é informado, na véspera do casamento da filha, de que o genro beijou outro homem, mas um casamento não se adia, nem que para isso a vida de todos os envolvidos fique virada do avesso.

Assim, aquilo que até pode ter começado como um 'fait-divers' desenrola-se com uma intensidade tal que abala tudo e todos, e fez com que o livro fosse confiscado pela ditadura brasileira, por atentar contra o que chamou a "organização da família".

Este é o quarto livro de Nelson Rodrigues publicado em Portugal desde que a editora Tinta-da-China comprou os direitos da obra do escritor brasileiro, em 2016, depois de oito anos a tentar publicá-la.

Questões legais entre os herdeiros do escritor - que morreu em 1980 -- bloquearam durante 35 anos a possibilidade de a obra de Nelson Rodrigues ser publicada fora do Brasil, mas uma decisão judicial veio pôr fim ao conflito e os seus livros começaram a ser publicados em países como França, Israel e Portugal.

Os primeiros livros do dramaturgo, jornalista e escritor publicados em Portugal foram "A Vida como Ela É..." e "O Homem Fatal", em setembro de 2016, depois de a chancela Livros Cotovia ter conseguido publicar excecionalmente uma antologia de três peças curtas, em 2006, sob a designação de "Teatro desagradável" - como o autor caracterizava aliás os seus dramas -, na coleção "Curso breve de Literatura Brasileira"

"A Vida como Ela É..." reúne 60 dos melhores contos de Nelson Rodrigues, a partir das muitas centenas de textos escritos ininterruptamente ao longo de dez anos, entre 1951 e 1961, na coluna "A Vida Como Ela É...", publicada diariamente no jornal Última Hora.

Trata-se de histórias de ciúme, inveja, obsessão, adultério e morte, traduzidas em dilemas morais, onde é possível encontrar figuras como homens que "não respeitam nem poste" e outros de aspeto virtuoso, que desfilam como estátuas, ou mulheres fatais, algumas, outras que espremem borbulhas ao espelho, e a morte que pode ir da mais épica à mais ridícula, num universo ficcional único.

Por seu lado, "O Homem Fatal" é uma seleção de 90 crónicas de Nelson Rodrigues textos que expressam opiniões políticas e refletem sobre a esquerda e a direita no Brasil da época (década de 1970), sobre cultura, livros, espetáculos, sobre os diversos "tipos" de pessoas, mas também sobre temas como amor, ódio, amizade, lealdade ou respeito.

O terceiro livro, "A Menina sem Estrela", chegou dois meses depois (novembro), trazendo até aos leitores portugueses as memórias de Nelson Rodrigues, através das quais se pode chegar "aos nervos e ao coração" do escritor brasileiro, como descreve a editora portuguesa.

"O assassinato do irmão, a primeira mulher nua, a fome que não permite odiar, os amores eternos sonhados no fundo do quintal, as inseguranças artísticas, a cegueira da filha, a impossibilidade de sobreviver à morte do pai: uma vida intensa partilhada com a frontalidade habitual, neste livro surpreendida pela intimidade", acrescenta.

Nelson Rodrigues escreveu ainda alguns outros romances sob pseudónimo e peças para teatro, que a Tinta-da-China pretende também publicar.

Está ainda prevista a publicação, pela mesma editora, da biografia de Nelson Rodrigues -- intitulada "O Anjo Pornográfico" -- escrita pelo autor brasileiro Ruy Castro, que uma vez contou que, aos cinco anos, ouvia a crónica diária "A Vida Como Ela É..." lida pela mãe.

Esta experiência levou Ruy Castro a concluir, em 2003: "Eu tinha cinco anos e era o garoto que mais sabia de adultério no mundo".

Nelson Rodrigues nasceu no Recife em 1912, mas foi no Rio de Janeiro que começou no jornalismo, aos 13 anos, no jornal dirigido pelo pai, Mário Rodrigues. A vivência na cidade e o trabalho como jornalista serviriam de mote para as peças de teatro e as crónicas que publicou, destacando-se a inovação e a originalidade.

"A última virgem", pelo Alpendre, grupo de teatro de Angra do Heroísmo, "A serpente de Nelson Rodrigues", pela A Escola da Noite, de Coimbra, e "O vestido de noiva", pela Actornauta, de Lisboa, estão entre os textos de Nelson Rodrigues apresentados em Portugal em anos anteriores à resolução do conflito legal.

AL (SS) // MAG

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