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Cultura

Lulu Santos sobre novo presidente da Funarte: 'Afundarte'

Músicos criticam escolha do maestro Dante Mantovani para comando do órgão; regente disse que rock leva a drogas e aborto
Lulu Santos Foto: Divulgação / Leo Aversa
Lulu Santos Foto: Divulgação / Leo Aversa

A nomeção do maestro Dante Mantovani para a presidência da Funarte (órgão do Governo Federal que tem missão de promover a arte no país) provocou reações negativas entre artistas da música brasileira. A indignação é, sobretudo, por causa das falas de Mantovani em vídeos em seu canal no YouTube, que tem mais de 6 mil inscritos. Ali, além de tirar dúvidas sobre música clássica, ele aproveita para compartilhar teorias da conspiração.

Em um dos vídeos o maestro, aluno do ideólogo de direita Olavo de Carvalho, endossa teorias de que agentes comunistas infiltrados na CIA foram responsáveis por distribuir LSD para jovens em Woodstock. O objetivo, diz ele, seria destruir a família, vista como "base" do capitalismo. "O rock ativa a droga que ativa o sexo que ativa a indústria do aborto. A indústria do aborto por sua vez alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo. O próprio John Lennon disse que fez um pacto com o diabo", afirma o youtuber.

Diante da nomeação, Lulu Santos rebatizou a Funarte como "Afundarte" e ironizou a frase em que Mantovani diz que o rock leva ao satanismo.

— Por isso mesmo, prefiro o funk — brinca Lulu.

Curador do Palco Sunset do Rock in Rio, o produtor musical Zé Ricardo também criticou o ataque do maestro ao rock.

— Uma coisa é gosto. Outra é uma pessoa na função dele, que é a de promover a cultura, se colocar contra um gênero musical.

Baixista e integrante há 18 anos do Angra, banda que Dante Mantovani disse "acompanhar", Felipe Andreoli lamentou a visão "retrógrada e fundamentalista" acerca do rock que o novo presidente da Funarte expôs.

— Tudo o que o Angra significa é o contrário do que ele diz. Nenhum de nossas letras faz apologia às drogas, ao aborto ou ao satanismo. Tem fãs que nos dizem, inclusive, que algumas delas os ajudaram a enfrentar a depressão e a sair de momentos difíceis, como a perda de um parente. Temos uma relação com o humanismo, não falamos só de fantasia e dragões — diz. — Acho de uma grande ignorância essa visão dele, é algo que ficou muito para trás na história do rock.

Para o roqueiro Lobão, que apoiou Jair Bolsonaro no período eleitoral, mas em tuíte do último dia 5 de agosto afirma que "será um prazer derrubá-lo", vários nomes escolhidos por este governo para ocupar cargos nas pastas de cultura e educação "são pessoas fora de sync" (sincronia").

— O Bolsonazismo é uma doença que assola o Brasil. Olavo de Carvalho dando conta da agenda de costumes do país, da educação, da cultura, usando todas as armas numa doutrina tirânica e retrógrada. Vi o Brasil em 1967 na passeata contra a guitarra elétrica. Eu que faço rock fico numa situação de fogo cruzado porque a esquerda detesta rock e a direita também — afirma. — Já vi Olavo dizendo que os Beatles eram satanistas e que Theodor Adorno teria composto as músicas. É de uma doença paranóica, um delírio conspiratório. Mas eu acho ótimo, porque quanto mais cafonas eles são, mais mico pagam.

Lobão lembrou uma conversa que teve com Olavo há algum tempo.

— Eu disse a ele que, se isso era para tirar o PT do poder, haveria de se fazer uma administração para não entrar em algo caricato, macartismo, que é o que eles estão fazendo. Estamos tendo a possibilidade de testemunhar a ascensão de figuras anacrônicas e caricatas como o ( Abraham ) Weintraub ( Ministro da Educação ) e esse Mantovani, são pessoas fora de sync. São tão corrosivos que se autodestroem por si só. Não têm estrutura para se manter.

O maestro Carlos Prazeres, da Orquestra Sinfônica da Bahia, que promove concertos unindo clássico e popular — como no projeto CineConcerto, com repertório centrado em trilhas sonoras de filmes -, teme que as falas de Mantovani corrobore com "aquela velha e arraigada impressão de que a música de concerto pretenda se instituir como uma espécie de 'marco civilizatório' em meio à barbárie".

— Muito longe disso, tenho visto meus colegas e as demais instituições engajados em torná-la parte natural da vivência social em plena comunhão com outros gêneros musicais e atividades artísticas. É assim que Villa-Lobos, pilar fundamental da nossa música, vai chegar na favela como chega aos lares do Leblon.

O guitarrista Dado Villa-Lobos, ex-Legião Urbana, define Mantovani como "um retardado anacrônico mental, espécie rara da estupidez humana".

— O que tenho a dizer é que o rock salva.